Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
quarta, 15 maio 2019 21:12

O melhor ainda está para vir

Quando recebi o convite da 100% DJ para escrever uma crónica de opinião, acabei por ser obrigado a fazer uma reflexão sobre todos os que estiveram, a determinada altura, presentes no meu percurso, ampliando o que fazia e por onde andava. Tenho pretensões de ser uma série de coisas, mas nenhuma delas passa por escrever. Deixo isso para a minha irmã Patrícia e para o meu pai, os profissionais do sector, mas sempre gostei de desafios e portanto vou dar o meu melhor, como é habitual, naquilo que me proponho fazer.

Com 40 anos feitos e tendo começado a trabalhar à noite aos 16 - como "apanha-copos" - no bar Amas do Cardeal, em Évora, pro bonno e por carolice, para aquele que veio a ser meu sócio e, ainda hoje, um dos meus melhores amigos, João Pedro Queiroga, terei uma quase obrigação de dar a minha visão da movida em Portugal.

Ao longo dos anos, do país e dos meus, assistimos a uma mudança de paradigma: É que diversão, é diversão e para satisfazer novos hábitos houve que conceber novos produtos. Daí, hoje existir uma ampla oferta, com muita qualidade, que passou para outros horários: matinés, sunsets, after work e por aí vamos... Hoje, estes produtos, são os meus preferidos. Gosto muito de ouvir grandes DJs e poder estar na cama à meia noite.  A idade é outra. Agora que penso nisso, é curioso: Em Évora, nos meus 14 ou 15 anos, os míticos 90’s, havia matinés ali à Rua Serpa Pinto. O álcool era-nos vedado e mesmo assim divertíamo-nos tanto!

A vida é feita de ciclos e voltei a ser um cliente de "matinés". Fuse e Bloop são aqueles que acompanho mais regularmente por fazerem um trabalho incrível e tropeço amiúde num esforço em fazer melhor, dar sempre alguma coisa de novo ao cliente, e, a cereja no topo do bolo, tudo feito com muita seriedade e profissionalismo. A qualidade dos artistas é do melhor que o panorama, neste caso de música electrónica, tem para oferecer. 

Hoje vivo em Lisboa e portanto é a realidade que tenho mais presente e por onde me movo mais vezes. No que diz respeito ao turno da noite, o tradicional, vejo uma grande melhoria nos últimos três anos. Acho que se assimilou que fazer ofertas iguais e tentar trabalhar sempre na zona de conforto ou naquilo que podia ser mais óbvio, já não chega para um público cada vez mais diversificado e exigente.
 
Fuse e Bloop são aqueles que acompanho mais regularmente por fazerem um trabalho incrível e tropeço amiúde num esforço em fazer melhor, dar sempre alguma coisa de novo ao cliente, e, a cereja no topo do bolo, tudo feito com muita seriedade e profissionalismo.

Actualmente temos bons clubes em todas as vertentes da música. O Kamala tem feito um trabalho incrível nas suas casas, o João Magalhães, este ano, conseguiu dar uma nova vida ao Mome. Lust e Urban atingiram as grandes massas e o Lux, como a grande referência no panorama alternativo em Portugal e lá fora, continua a dar cartas na nossa madrugada. Já não saio muito, mas quando o faço, tenho imenso por onde escolher e sempre bom.


Pensamos em casas ou empresários, mas não podemos deixar de falar de outros que são tão ou mais importantes para nivelar a oferta por cima. Hoje temos barmans e barmaids profissionais que fazem tudo com uma recém inaugurada qualidade. Este que vos escreve, foi, ele próprio, barman no Inox Clube em Évora e tudo o que fosse mais do que vodka com gelo e sumo de qualquer coisa, já não dava! Éramos todos assim! 

E na música, são tantos os DJs e tão bons, que acabam por contrariar aquela história de que qualquer um é DJ e blá-blá-blá. Essa mesma premissa, acabou por aumentar a vontade de tantos tentarem, é certo, mas uma grande parte deles apostou mais e melhor na profissão e permitiu usufruirmos todos de gente de grande valor em vários géneros de som. Saímos todos a ganhar! Destaco o curador do (meu) The Garden, o Moullinex e o meu grande amigo Audio Deep: O primeiro, um génio da música e o segundo, um dos melhores de Portugal, que está a começar a chegar aos sítios certos, para nosso gáudio.

Nem tudo são rosas e, para quem não está em Lisboa ou Porto, as coisas são realmente mais complicadas. Embora constate que, cada vez mais, estas produtoras, se atrevem a partir para o interior, descobrindo a grande qualidade de profissionais que lá se encontram. Se existe bom público, tem que existir bons profissionais, parece óbvio. O consumidor dá pouco por isso, mas é imperativo falar da importância das marcas dos produtos que se vendem habitualmente nestes espaços: Quando abri o primeiro bar, tinha cerca de 20 anos, o Pátio da Lua. Vendia, e tal como todos os outros empresários, não fazia a mínima ideia sobre quem estava por de trás das marcas de bebidas e dos seus distribuidores. Nós comprávamos, mais ou menos ao preço que nos queriam vender, aquilo que acreditávamos que o público consumiria. Mais à frente, no Praxis, a coisa foi piando de outra forma. Com a acrescida maturidade, tínhamos sempre alguém a trabalhar de perto connosco nas compras, a ajudar no que podia, para que os negócios fossem realmente vantajosos nos dois sentidos. Pensando nisto, só me vem à cabeça, com saudade, o grande Artur.
 
Hoje com Pernond Ricard, por exemplo, com quem trabalhamos, chego a vê-los como consultores... o Rúben, homem da marca, falou comigo sobre o The Garden, mais do que qualquer outra pessoa, antes e depois de abrir! E faz sentido: conhecem melhor o mercado que qualquer um dos proprietários e podem ajudar a criar um conceito único e não a tal cópia que ninguém quer. Afinal, são eles que, realmente, sabem o que todos os seus outros clientes vendem.
 
A boa nova é que já não há desculpas e aquilo que foi uma alavanca para o sucesso com utilizadores restritos e já poderosos, tornou-se acessível a todos, através do Marketing Digital.
A forma de nos comunicarmos também mudou e, por estes dias, todos o fazemos facilmente através de plataformas digitais. Qualquer um de nós consegue fazer campanhas produtivas, com sucesso e baixo custo e acima de tudo sustentáveis. Há vinte anos era impossível! Na Era pré redes, pré internet popularizada, não ganhávamos para publicidade eficiente. Ter um outdoor como o que tive em Évora era caríssimo! Colar mupies pela cidade, uma despesa faraónica, e aos jornais e revistas, mormente, nem acreditávamos chegar, tal era a despesa. O mercado da publicidade não estava feito (como ainda não está), nos meios tradicionais, para que empresas pequenas apostem na sua divulgação. A boa nova é que já não há desculpas e aquilo que foi uma alavanca para o sucesso com utilizadores restritos e já poderosos, tornou-se acessível a todos, através do Marketing Digital. Bons profissionais na área não faltam - a começar pela minha mulher!

Sim, nós cá por casa tendemos a agregar recursos para ficarmos mais fortes. Ou isso ou, pessoas com visão e futuro, agradam-se, naturalmente, umas às outras.

Voltando ao tema...

Atente-se, por outro lado, nos festivais. Temos muitos e tão bem produzidos, em diferentes regiões, do interior ao litoral, passando pelas ilhas, que passaram a ser bilhete postal para vender o Verão aos estrangeiros. Marcas internacionais em Portugal como o é o caso do BPM no Algarve ou do Rock in Rio em Lisboa ou nacionais - Nos Alive ou Super Bock e um rol de outros com tanta, mas tanta qualidade. Estamos a atravessar uma grande fase e creio que o melhor ainda está por vir! O mais fantástico é que, atrás desta transformação e desta maturidade, que inevitavelmente desaguarão num ainda maior sucesso, estão pessoas a aprender e a crescer, cheias de garra e com uma visão pluralista e abrangente do mundo, por isso não podemos estar mais confiantes no que virá.

Atualmente, ainda que como cliente, na maioria dos casos, tenho orgulho por pertencer a este sector e de tudo o que se tem inovado é realizado!

Beijos e abraços para todos e não se esqueçam: May the party be in you!
 
Francisco Rafael
Empreendedor
Publicado em Francisco Rafael
quarta, 28 maio 2014 18:55

O futuro da EDM

Corro o risco de esta crónica entrar na história da 100% DJ como a menos popular, ainda assim acho que tem que ser feita. Odeio quando as pastilhas elásticas perdem o sabor e é neste ponto que a EDM está neste momento. Foi-nos apresentada com uma embalagem muito cativante cheia de cor e quando demos a primeira trinca era fenomenal: uma autêntica explosão de sabor. Mas foi perdendo o sabor à medida que a fomos mastigando incessantemente.
 
Exagerou-se em tudo. Na quantidade de músicas, de "novos produtores", de versões 2.0, 3.0, 50.0 de hits. Perdeu-se a alma e a essência. De todo o oceano de faixas lançadas nestes últimos anos, contam-se pelos dedos as que ficarão para a história da música electrónica dentro de uns anos. É o que acontece quando as pastilhas elásticas deixam de ter sabor, deitamos fora e nem nos lembramos mais delas. Simplesmente comemos outra quando nos apetecer. O sabor é o mesmo, o que importa é a novidade.
 

Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.

 
Por outro lado, neste processo, pecou-se em muito pouca coisa. Não sou dos que acha que houve falta de criatividade. Criatividade foi o que não faltou na EDM. Reinventou-se o Dubstep, reinventou-se o Minimal, reinventou-se o Tribal, o Hip Hop, e até - pasmem-se - o Reggaeton. Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.
 
E a EDM não morreu. Não sou dos que acha que "isto está tudo a mudar" só porque um dia acordámos com mais faixas de deep/tech no top 10 do Beatport do que de EDM. Isso é fácil de explicar. Houve muitos bons lançamentos de Deep/Tech e não tão bons lançamentos de EDM, nesta semana. É só isto.
 
A EDM tem uma característica que nunca outro estilo musical dentro da dance music teve. Tornou-a em pop music. Música que eu oiço, tu ouves, mas também a minha mãe, o teu avô ou a tua filha. Toda a gente ouve. É mainstream. E o mainstream, meus caros amigos não acaba, reinventa-se.
 
E é exactamente essa a minha previsão - que vale o que vale, ou seja muito pouco - a EDM não morre, reinventa-se. É preciso dar-lhe alma. Fundi-la com música. Com reggae, com hip hop, com world music, com as raízes do house, do techno, do deep, do jungle, enfim, com tudo.
 
Mais do que nunca, é preciso criatividade, porque uma coisa é certa: quem continuar no caminho fácil do "mais do mesmo" vai definhar.
 
Hugo Serra Riço
Publicado em Nightlife
segunda, 04 novembro 2013 14:40

DJs VS Produtores

 
É obrigatório ser DJ e produtor hoje em dia? Um DJ é um produtor melhor? Um produtor é um bom DJ? Saberes fazer música faz com que a tua carreira evolua mais rápido? Aparentemente, hoje em dia quem faz um tão aclamado "hit" passa do 0 para o #40 da DJ Mag - como foi o caso do Martin Garrix, era "desconhecido", e hoje em dia é dos DJs/produtores que mais toca e corre o mundo.
 
Nos clubes e nos festivais o que se ouve são as músicas feitas pelos produtores de música, sempre foi assim e sempre será, são eles que inspiram as pessoas a ouvir e a gostar de música, é por causa deles que as pessoas acabam por sair à noite, para ouvir e se divertir ao som da música deles... e a maior parte dos DJs, são DJs porque se inspiraram em algum DJ/produtor.
 
Mas o reverso da medalha também existe. Se não houvessem DJs, os produtores não tinham forma de sustento, as suas músicas não eram vendidas e não eram tocadas nas pistas de todos os clubes e festivais que existem por esse mundo fora... o DJ é o principal porta-voz das músicas nos tempos que correm - existem cada vez mais clubes, cada vez mais festivais e todas as músicas que saem para o mercado hoje em dia, já vêm acompanhadas com o "remix pack" e na sua grande maioria, já agradam a toda a gente - desde o tech ao trap.
 
Nos anos 80 e 90, não era fácil ser-se produtor de música - tudo era extremamente caro de se comprar e não havia internet com as velocidades estonteantes que há agora, mas acima de tudo, era tudo analógico, não havia muito software. Hoje em dia, com a internet e a pirataria a fervilhar - e como ser DJ/produtor está na moda - qualquer pessoa pode ser um "DJ/produtor", ainda que não saia de casa e tenha apenas um laptop e um DAW qualquer à escolha - pirateado, e meia dúzia de VSTs. 

Um simples DJ acaba por ser como uma banda de covers, nunca toca as suas músicas mas sim os sucessos das outras bandas.

 
Ver um DJ passar a produtor de música é capaz de o transformar em alguém melhor - o facto de aprender a ouvir "não" (das editoras e de outros DJs/produtores), a coragem que é preciso ter para mostrar o seu trabalho - ainda que alguns não têm bem noção do que fazem e só porque os amigos dizem que está "bom" já se acham a "última bolacha do pacote", por outro lado também têm a força de criar algo do zero, do nada, algo inexistente, investir tempo, aprender, evoluir, crescer como artista, como profissional e como pessoa. Um simples DJ acaba por ser como uma banda de covers, nunca toca as suas músicas mas sim os sucessos das outras bandas, podem ser super talentosos e com uma técnica e leitura de pista inacreditável, mas no final, são apenas um "DJ". Claro que um DJ é sempre alguém que cria de uma certa forma e expressa a sua criatividade, mas poucos são os que tentam evoluir e fazer algo inovador e diferente...
 
Um DJ/produtor, por outro lado, é visto como alguém que escreve música, criar e toca os seus próprios temas, faz edits, bootlegs, mashups, procura sempre dar o seu cunho pessoal à música que toca e apresenta aos seus fãs e acrescenta valor à indústria musical, ao mercado que o rodeia e à sua "fan base". 
 
Ao contrário do mundo de um DJ, que na sua maior parte, vive "sozinho" quando está a actuar, porque a cabine é sua e ele é que decide o que vai tocar, um produtor vive em colaborações - podem ser músicos, cantores ou até mesmo outros produtores - isto impulsiona a comunicação, a exploração das fraquezas e forças, a interação, a criatividade e a inspiração - basicamente, aprende-se imenso quando se faz colaborações, tens que ser cordial, saber ouvir e respeitar as opiniões.
 
Quando fazes música estás a ser obrigado a tomar decisões - se vais fazer uma música de house, progressive, tech, trap, dubstep, whatever... que VST's vais usar, que som vais escolher, vais perder tardes a mexer num knob de um synth que altera uma frequência que muda a música toda e és obrigado a seguir em frente, a decidir. Vais procurar uma editora ou pensar se vais abrir a tua própria ou ainda se a vais disponibilizar grátis. Vais enviar a música a todos os teus amigos DJs, vais ouvir "nãos" e vais ouvir "sims". É um processo que não acaba e as decisões são constantes e a maior parte do tempo, tu não tens tempo para parar e pensar - tens que tomar decisões na hora. É um processo criativo, intenso, emocional e divertido... mas no final, super recompensador.
 
 
Daniel Poças
FY2 - The Party Rockers
Publicado em Daniel Poças
segunda, 30 abril 2012 21:57

Warm Up

Warm up é um expressão do Inglês que significa "aquecer" ou "aquecimento". É utilizada na gíria dos DJ's quando se refere ao primeiro que toca, ou o que toca no início da noite.
Posto isto, a minha primeira crónica vem a propósito disso mesmo, dos "Warm up" na noite Nacional.

São raras as noites que no fim das mesmas, consigo comentar, "que grande Warm up que me fizeram hoje". Muito raras e é uma pena que em Portugal pouco ou nada se perceba desse assunto.
A globalização dos DJ’s, a aposta das casas em DJ’s residentes sem nenhuma cultura musical (excetuando os "hits" e "bootlegs" de "hits" do momento), levou a que não exista um cuidado com o ouvido do cliente.
A noite nos dias de hoje começa por volta das 2h30, e termina tarde, bastante tarde. Se não houver um cuidado musical, pode acabar bastante cedo, e como em tudo na vida, os preliminares são muito importantes.
Infelizmente, muitos DJ’s residentes não percebem que quando têm um DJ convidado, o Warm up, é talvez a parte mais importante para o sucesso musical dessa noite. É o trabalho que se faz antes do convidado que prepara o cliente para o que vem.
 
Nestes quase 5 anos que toco de Norte a Sul do país todos os fins de semana, raras foram as noites em que o Warm Up foi bem feito. O DJ residente é o responsável pela música da Discoteca o ano todo, não apenas quando lá vai um convidado, e o facto de não perceber isso, leva a que muitas vezes as noites não corram como esperado, ou da melhor forma. O DJ residente não percebe que tem o ano todo para brilhar (e aí sim, brilha, se o fizer o ano todo), não apenas aquela noite.
 
É muito triste ver DJ’s residentes a colocarem às 2h00 da manhã a fasquia tão alta que o convidado (por melhor que seja), pouco ou nada irá fazer depois. Esquece-se o residente que não está a brilhar nem a tirar protagonismo ao convidado, está pura e simplesmente a estragar a noite. Cansa os clientes, pois a loucura vem com os copos (e aquela hora ainda não "estão no ponto"), gasta músicas, fere ouvidos (muitas vezes até o som já está "no pico"), etc...
 
Um Warm up é para aquecer, não para escaldar assim que se chega à pista de dança.
É realmente triste ver que pouca ou nenhuma cultura se ouve nos dias que correm. Tocar os Hits todos antes do convidado entrar, muitas vezes tocar músicas do convidado, é realmente demonstrativo do que vai na noite nacional. Brilhar quando uma casa está cheia por um convidado, é fácil. Mas brilhar a sério é quando não se tem um convidado, e aí, aposto que até se faz um Warm Up em condições.
 
Um bem haja e controlem as emoções, a noite funcionará muito melhor, experimentem!! Abraço!
 
Massivedrum
www.facebook.com/massivedrum.official
Publicado em Massivedrum
quarta, 07 março 2012 00:00

Ser ou não ser

Deixou de ser, finalmente, a questão.
Estamos no acelerado século XXI. E todos querem ser 2 em 1. Ou 3 em 1. O que estiver mais a jeito para trazer a fama com que se sonha de dia e, sobretudo, de noite.
Estamos na era dos futebolistas-estrela, dos cantores-estrela, dos manequins-estrela, dos DJ-estrela.
Ora, se para dar toques na bola é preciso ter "jeito", se para cantar é preciso ter voz e se para ser manequim é preciso, pelo menos, ter altura e ter um palmo de cara... Para ser DJ basta ter meia dúzia de trocos no bolso e fazer o "Curso".
Sim, pode ser a fama que primeiramente motive todos aqueles que lutam por um lugar ao sol (de preferência em Miami), mas não é essa a principal razão que leva tantos (e tantas) a suspirar pela profissão.
A verdade, crua e dura, é que, para ser DJ - nos dias de hoje - não é necessário qualquer talento: as máquinas fazem o que só o coração dos homens deveria comandar. E este é o motivo que torna o Djing, a profissão mais desejada.

Numa época difícil, em que as expetativas de futuro são cada vez menores e em que se fecham centros de novas oportunidades, há lá possibilidade melhor do que a de ser DJ?
Ou DJ e manequim? Ou  DJ e ator? Ou DJ e futebolista? (um bocadinho mais difícil, esta!)

Na verdade, nada contra. O único problema é da infinita desilusão: porque tudo o que é fácil é facilmente imitável, porque copiar é mais fácil do que criar e porque, no fim, apenas meia dúzia conseguem atingir o patamar onde se pintam os sonhos.
Isto não quer dizer que não seja legítimo querer "ser DJ". Pelo contrário. Todos podemos ser tudo... Aquilo que consigamos aprender. Mas nem todos vão lá chegar: nem todos têm a aquela “chama”, naquela que é a essência de ser "dono" de uma cabine, mestre musical de uma noite, a não mais esquecer. E Darwin volta a acertar em cheio.
Entretanto descobrem-se verdadeiros mestrados nestas questões do ser ou não ser DJ. Em geral aparecem em imundas páginas das redes sociais e nada acrescentam de valor ao que é o fenómeno do momento. E esta é outra questão: o momento dita esta moda, outras mais estão para vir.
 
Pelo meio apenas fazem história os que, 3, 6 ou 1 data por mês, são qualquer coisa mais. Música. Coração. Carisma e ética. Disciplinas que não se avaliam via diploma e cujo valor é muito maior do que aquele que qualquer pseudo super equipamento para DJ pode comprar.
 
Mariana Couto
coutomi(at)gmail.com
Publicado em Mariana Couto
domingo, 28 outubro 2018 15:23

Ainda e sempre a olhar para o tecto

Este não vai ser com certeza um texto que se tornará viral por ter alguma verdade sobre alguns elefantes escondidos na sala. Antes pelo contrário, a convite da 100% DJ fui desafiado a escrever sobre o entretenimento noturno em Portugal e embora com todas as vicissitudes, dores de crescimento e os afins e enfins, comuns a todas as indústrias, há também uma análise de desenvolvimento que é fundamental fazer. 

Ainda habita em muitas conversas de café a expressão "da noite" carregada de conotação negativa como se tudo se resumisse a uma caricatura do Cais do Sodré dos anos 80 com marinheiros, putas e caídos. Comecei a frase por "ainda" porque na verdade ela tem tendência a cair em desuso. 

Os últimos 20 anos mudaram a face da indústria como nunca. A música, o entretenimento, a tecnologia, os sonhos ao alcance de um teclado trouxeram uma nova vaga de apaixonados determinados em fazer mais e diferente, em encarar "a noite" com um novo olhar mais rigoroso e abrangente. Deixámos de lado o olhar de "merceeiro" e passamos a ter visão de gestores. E engane-se que a "mercantilização" nos trouxe marasmo ou rotina, virou-nos antes para a inovação, risco e novos horizontes. Fosse assim em todos os mercados. 

Somos hoje em Portugal uma indústria em pleno desenvolvimento e a competir com o melhor que se faz em todo o mundo. Para isso esta nova geração apostou em formação académica, mergulhou de cabeça no Mundo.Net e correu atrás de profissionalizar o setor. E se estamos longe de alguns mercados é mesmo apenas por dimensão de país mas que isso nada nos tire ao nível de entrega que fazemos. Os nossos clubes estão estruturados, pelo Algarve passam as melhores produções e nomes do mundo, os festivais de música são a areia do nosso Verão e os artistas internacionais encontram nas nossas cidades a inspiração que precisam. Somos a nova "qualquer coisa" que ainda não se definiu bem mas a verdade é que se sente em todo o lado que somos realmente qualquer coisa. 

Se muitos dos que estão a ler este texto têm mão neste advento há também muitos que ainda agora estão a começar, que ainda sozinhos pensam deitados no quarto "naquela" festa com "aquele" nome e "aquele" conceito. Venham daí as energias ainda guardadas e as ideias ainda por conceber e que sigam este caminho que tem hoje uma plataforma bem mais estruturada para percorrer. Os degraus são ambiciosos mas o resultado é incrível. E já agora, ainda passo muitas horas a olhar para o tecto e a sonhar com "aquela festa" que ainda não fiz. Mas sei que vou fazer!
 
André Henriques
Publicado em André Henriques
sexta, 17 março 2017 21:21

O DJ toca ou passa música?

De vez em quando nas redes sociais vejo umas trocas de ideias mais acesas sobre esta questão. Há muitos anos atrás os DJs usavam normalmente a expressão “vou ali passar música...”, mas de há uns anos para cá, essa expressão transformou-se em “vou ali tocar...”. Qual das duas maneiras é a mais correcta para referir-se ao mesmo acto?
 
De um lado temos os músicos (e alguns músicos que também são DJs) que dizem que o DJ se limita a “passar a música dos outros”, do outro lado temos os DJs que dizem que não só tocam as músicas dos outros (ou as suas, caso sejam também produtores musicais) mas que também criam sonoridades novas, quando estão a actuar...
 
Sinceramente, acho que as duas afirmações estão correctas. É verdade que antes de aparecerem as novas tecnologias, as várias aplicações e controladores que agora podemos usar nos “sets” as possibilidades de criação eram muito mais limitadas, mas mesmo assim havia DJs que mesmo só com pratos e discos em vinil praticamente criavam novos temas, novas versões de temas, “remixes” na hora, com vários temas a tocar ao mesmo tempo. Lembro-me assim de repente do DJ Americano Jeff Mills a actuar dessa forma e na minha opinião isso é “tocar”, não é simplesmente o acto de “passar música”. Quem já assistiu a uma actuação dele a 4 pratos sabe do que estou a falar.
 
É verdade que nessa altura eram mais os casos em que o DJ “passava música” do que os em que “tocava”, mas mesmo assim usando “só” dois, três ou quatro pratos era possível (e alguns faziam-no) criar novas sonoridades, criar novos temas a partir outros já existentes. Isso não era a regra geral, é verdade, mas alguns DJs faziam-no e muito bem. 
 
Na minha opinião, hoje em dia é mais normal, por tudo o que usamos nas actuações, o termo “tocar” do que “passar música”. Ainda mais no caso daqueles DJs que praticamente só usam temas próprios e/ou “loops” e bases próprias e alguns temas de outros artistas num programa como o Ableton Live, criando sessões exclusivas com sonoridades novas, que muitas vezes até resultam em temas novos.
 

Com tudo o que temos à disposição neste momento para usar durante as actuações o limite é a nossa imaginação e criatividade!

 
Hoje em dia, com um computador portátil e um programa como o Traktor da Native Instruments (ou outro do género) é muito mais fácil conseguirmos criar uma versão nova, um momento “exclusivo” num set que provavelmente não se vai repetir noutro local. A Native Instruments até criou um formato exclusivo, os “STEMS” que basicamente são a divisão de um tema em quatro pistas separadas. Isto permite uma grande liberdade criativa já que podes usar o instrumental de um tema, uma voz de outro, um baixo de um terceiro e um sintetizador de um quarto e criar uma versão completamente nova de algo já existente ou mesmo um tema original, dependendo da tua imaginação! Isto já era também possível com o formato “Remix Sets” que a Native criou antes e que permite ter os temas divididos por “loops” para poder usar em diferentes combinações, mas com os STEMS penso que a facilidade em criar novas sonoridades é maior e mais imediata. 
 
Por isso, na minha opinião, a discussão entre se o DJ “passa música” ou “toca” é mais uma discussão “estéril”. Tal como dizer que “o verdadeiro DJ é aquele que não usa SYNC” ou “o verdadeiro DJ usa discos em vinil, não usa computadores...” entre outras discussões que de vez em quando aparecem nas redes sociais. Com tudo o que temos à disposição neste momento para usar durante as actuações o limite é a nossa imaginação e criatividade!
 
Carlos Manaça
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
quarta, 03 dezembro 2014 18:58

O caso holandês

 
A questão da nacionalidade na música electrónica de dança deveria ser pouco importante, o que importa é a música e a quantos agrada sem olhar a fronteiras ou barreiras, afinal a grande conquista da electrónica é a democratização do acesso à música. No entanto é impossível não reparar no domínio de um pequeno país europeu, que tem crescido sustentadamente ao longo da última década, a Holanda. A maior evidência é o domínio do Top100 da DJ Mag, o ranking que serve de referência à indústria mainstream. Quatro dos DJs do Top5 mundial são holandeses, e se alargarmos para o Top20, metade são holandeses. A representatividade holandesa não tem par noutra nacionalidade e é um verdadeiro fenómeno. Se olharmos com mais um pouco de atenção verificamos que esta é apenas a ponta do icebergue. Grandes editoras são holandesas (a Spinnin; a Revealed; a Armada, entre outras); grandes produtoras de eventos são holandesas (a ID&T, responsável pelo Tomorrowland e pelo Sensation, por exemplo; ou a Alda Events, responsável pelas tours mundiais de Hardwell e Armin Van Buuren). A maior conferência anual é de organização holandesa e realiza-se em Amesterdão, o Amsterdam Dance Event. Mas como é que um pais tão pequeno consegue um peso tão significativo numa indústria mundial? Será algo na água que bebem? Ou será um fenómeno mais complicado de explicar?
 

O peso da música electrónica na economia holandesa é de 587 milhões de Euros por ano (...)

 
Comecemos esta análise pelo principio: os holandeses são porventura o único povo que tem estudos de impacto económico da indústria da música electrónica desde o início do século XXI. O primeiro estudo publicado data de 2002 e foi realizado pela consultora KPMG. O mais recente data de 2012 e foi executado pela consultora EVAR, e foi um dos documentos imprescindíveis a este texto1. O peso da música electrónica na economia holandesa é de 587 milhões de Euros por ano, ou seja, mais de meio milhar de milhões. Para este valor global contribuem as receitas dos DJs e produtores musicais, que ultrapassam os 254 milhões de Euros; os festivais e eventos que contribuem com uma fatia de 137 milhões de Euros; a recolha de royalties que ascende a 53 milhões de Euros; A organização de eventos a contribuir com 35 milhões de Euros; entre outras fontes de receitas que ascendem a uns impressionantes 587 milhões de Euros. Como se os números não falassem por si, esta é uma área de negócio em expansão mundial pelo que é expectável que cresça mais nos próximos anos. Uma estimativa cautelosa do mercado mundial dos eventos relacionados com a música electrónica cifra-se nos 2,7 mil milhões de Euros. E o que é que isto significa? Que os holandeses tiveram desde muito cedo a noção de que esta era uma indústria que poderia vir a ter tanto peso na economia do país como condições para crescer exponencialmente no futuro. 
 
Com esta ideia em mente o governo holandês teve o golpe de vista de acarinhar a música electrónica, de a reconhecer, de lhe dar um lugar de destaque na cultura e de criar um sistema de apoio, directo e indirecto, a toda a indústria. Um exemplo claro, e ímpar, desta integração e aceitação? Armin Van Buuren em 2013 a actuar no Kingsday (feriado nacional para celebrar o aniversário do Rei) ao lado da orquestra The Royal Concertgebouw: 
 
 
Outro grande exemplo do investimento na música electrónica foi a criação de uma conferência em 1996 - o Amsterdam Dance Event (ADE) - financiada pela Buma/Stemra (a Sociedade de Autores Holandesa), numa altura em que existia apenas a Winter Music Conference (WMC) de Miami. Focando mais a parte profissional e diurna do negócio, o ADE conseguiu destronar a WMC da sua posição de maior conferência mundial, e tornou a WMC de Miami uma opção, e o ADE de Amesterdão uma obrigação anual para qualquer profissional da indústria. 
 
Além desta óbvia integração dos DJs na cultura do país realizam-se no Kingsday vários eventos de música de dança públicos em todas as grandes cidades holandesas (Amesterdão, Roterdão, Haia, Utrecht, etc) feitos em cooperação com o governo local porque há um entendimento da parte de quem tem o poder público que estes eventos atraem pessoas e geram receitas. Ainda no campo do apoio existem várias organizações de caridade como a Unicef, WWF, War Child (Dance 4 Life), que são parcialmente financiadas pelo governo e que organizam diversos eventos, entre os quais eventos de EDM, para chamar a atenção para as suas causas.  
 
Por último, mas não de somenos importância, os estudos dos músicos e produtores também são apoiados através de financiamento estatal. Qualquer estudante holandês, em função das suas condições de vida pode pedir um apoio estatal até 400€ mensais e, desde que termine os estudos no tempo mínimo e sem falhar nenhuma disciplina, não tem que devolver o dinheiro que recebeu ao Estado. 
 

O caso holandês é um case study mas deveria ser também um exemplo a seguir por outros países.

 
Já ouviram falar de outro país que tenha algo de remotamente semelhante em termos de apoio, integração e valorização da cultura da música electrónica? Eu também não. Parece-me que podemos excluir a hipótese da água.
 
É evidente que sem talento nada se faz, pelo que há um valor artístico no caso holandês que não pode ser medido, e que é a variável nesta equação. Contudo a expressividade dos números da representatividade holandesa na indústria da EDM mundial é directamente proporcional ao investimento de uma nação, não só em apoio financeiro e institucional mas também em aceitação de uma forma de arte e cultura tão vanguardista (sim, porque ainda há quem discuta o valor de um produtor musical versus um músico instrumentista) que permanece na sombra na maioria das culturas mundiais apesar da crescente exposição e da conquista da pop mundial. 
 
O caso holandês é um case study mas deveria ser também um exemplo a seguir por outros países. 
 
(1) "Dance-onomics - The Economic Significance of EDM for the Nederlands" - EVAR Advisory Services, October 2012
 
Thanks Celwin Frezen for the Dutch insider input, couldn’t have done it without you!
 
Um agradecimento especial a toda a equipa e artistas da WDB Management pelo input valioso que dão a todas as minhas crónicas.
 
Sónia Silvestre
Brand Manager
WDB Management
Publicado em Sónia Silvestre
quinta, 07 abril 2016 14:37

Trabalhar com a música electrónica

Neste primeiro artigo de opinião de 2016, resolvi escrever sobre a "Pedra Filosofal" do novo Milénio - A Musica Electrónica. 
 
Tudo começou com o aparecimento dos DJs aos grandes palcos mundiais, com a especulação criada pelos Países Nórdicos da Europa e com o Marketing agressivo da indústria musical virada para o mercado electrónico. 
De um momento para o outro, os DJs eram as novas estrelas mundiais e tudo o que era "miúdo" quis ser DJ. Todos aqueles que não sabiam fazer mais nada, viram na profissão de DJ uma alternativa para fazerem alguma coisa, encher os bolsos e ter notoriedade e reconhecimento (pelo menos nas suas cabeças). 
O facilitismo em ser DJ era (é) tanto, que tudo o que era gente neste País foi DJ. Ias a um reality show e no dia a seguir eras DJ. Aparecias na TV, viravas DJ. Eras RP? Porque não ser DJ? Etc, etc. 
 
Rapidamente apareceram em Portugal a partir de 2009/2010 uns largos MILHARES de DJs mas tal como apareceram, também desapareceram e perceberam que afinal a "galinha dos ovos de ouro" não era o que parecia. 
Pelo caminho, muitos deles sonharam que, devido ao facilitismo, havia outros negócios que os fariam enriquecer com a música electrónica. Foram os anos em que toda a gente era produtor musical e abriram centenas de editoras discográficas. Ia tudo enriquecer com a venda da música mas, mais uma vez, não resultou...
 
Os Portugueses sempre foram "casmurros" e não desistem facilmente. Toda a gente tinha de conseguir enriquecer com a música electrónica. Mas como? 
Foi a altura dos agentes/agências de artistas. Tudo era agente artístico neste país. Ganhavam-se comissões de cachets de 40 euros só para poderem dizer que eram agentes ou que estavam no meio... Rapidamente viram que também não era este o caminho e chegámos aos últimos anos e à nova "descoberta" de como enriquecer com esta indústria - PRODUTOR DE EVENTOS. 
Hoje em dia está na moda ser Produtor de Eventos. Se é verdade que há muitos que se dão bem, a ganância deixa de lado a larga maioria de quem quer entrar neste meio. Se um evento corre bem, querem logo fazer outro no dia a seguir (dá sempre mau resultado). Se correu bem a primeira vez e as escolhas artísticas, dia, local, equipa de trabalho, etc. foi bem escolhida, no evento a seguir já dão tudo como garantido e o prejuízo é a única garantia que conseguem ter. 
 
Tudo isto é "Ser Português". Somos (ou tentamos) ser sempre mais espertos que os outros num país com 10 milhões de habitantes, uma mentalidade retrógrada quando comparada com países como a Holanda ou Alemanha, onde temos um mercado interno muito curto, com pouca expressão mundial na música electrónica mas onde tentamos furar como podemos. 
 
Os primeiros parágrafos deste texto deram-te a impressão de uma crítica rude da minha parte. 
A ideia foi essa mas o objectivo era outro. 
 
AINDA BEM que somos assim. Que apareçam DJs, RPs, Produtores de música, Produtores de eventos, Discográficas e tudo o que esteja ligado a esta indústria da musica electrónica. É o próprio mercado que irá encarregar-se de fazer uma triagem entre o "bom e o mau", quem fica e quem sai, quem vence e quem sai derrotado.    
O que realmente é mau é não haver "sangue novo", ideias novas, investimentos diversificados e que haja pessoas a errar. Os erros são sempre aprendizagem e em Portugal temos aprendido muito. 
 

Quem trabalha ou quer trabalhar neste meio, tem de perceber que a própria música electrónica está em constante mudança (…)

 
Um novo ciclo da música electrónica está a entrar. Os "nichos" estão a voltar a ser mainstream e os gostos do público já não são o que alguns diziam que era impingido pelas rádios e TV. O público escolhe o que quer e ninguém impinge nada nos dias que correm. A diversidade de comunicação e o fácil acesso à informação, não permite condicionalismos extremos seja a quem for. 
 
Agarrem no Ipod ou na "cloud" de um miúdo da Preparatória ou do Secundário e vejam o que ele lá tem para ouvir... Tem música que "Parte-me o pescoço" e a seguir um "hardcore" que me parte a cabeça, seguido do Justin Bieber, alternando com Hip Hop do Sam The Kid, Xeg e Dillaz e a seguir remata com Trap e acaba com Hardwell ou uma faixa do Anselmo Ralph, enquanto tem um set de Carl Cox que ouve todos os dias a caminho da escola. 
 
Quem trabalha ou quer trabalhar neste meio, tem de perceber que a própria música electrónica está em constante mudança e que já não é apenas aquela sonoridade a 4 tempos, compassada e com uns Kicks, Drops e uns Claps. É necessária uma adaptação aos novos tempos e por isso é que entrar gente nova no mercado é sempre essencial para esta indústria sobreviver. 
 
Que venha mais gente para este mercado e quem olhar para ti como concorrência ou falar mal de ti, é sinal que estás a fazer as coisas bem feitas. Precisamos de mais gente com ideias novas e vontade de trabalhar para elevar a fasquia da indústria musical portuguesa e é o próprio mercado que irá definir se és válido ou não para permanecer no meio.   
 
Ricardo Silva
Publicado em Ricardo Silva
segunda, 21 maio 2018 19:36

Avicii. O outro lado da vida de um DJ

A morte de Tim Bergling, mais conhecido por Avicii, um dos principais nomes da EDM mundial, veio confirmar o que já se sabia sobre a pressão que é feita pela "máquina" que envolve uma indústria que gera muitos milhões. O fenómeno DJ "Superstar Mundial" é relativamente recente, mas o impacto e o dinheiro gerado já se pode comparar (superando-o até em alguns casos) aos da maior parte das "super bandas" que (ainda) existem e enchem estádios. Movendo tantos milhões, envolvendo tanta gente, transformou-se obviamente num negócio muito importante que se centra simplesmente numa ou duas pessoas (ou três, como no caso dos Swedish House Mafia). Com uma estrutura altamente profissionalizada, de muitas pessoas e que abrange varias áreas de negócio, o seu objectivo é simplesmente o de rentabilizar ao máximo o artista ou artistas que com quem trabalham. E como infelizmente os números que as vendas de música representam cada vez são menores devido à pirataria digital (apesar de o tema "Levels" ter sido licenciado à Universal Music por 500.000 Euros!), a principal maneira de rentabilizar um artista destas características são os espectáculos ao vivo.
 

(...) o que vi foi uma pessoa muito jovem que de repente se encontrou com um tema que foi um êxito à escala mundial, com tudo o que isso representa.


A morte de Avicii, uma pessoa jovem, com um sucesso planetário e com tudo para ser feliz, perturbou-me e fez-me pesquisar mais sobre a pessoa e sobre os eventuais motivos do seu falecimento. Obviamente que já o conhecia, mas por a sua música ser totalmente oposta aos meus gostos musicais, nunca acompanhei muito de perto o seu trajecto como artista, apesar de conhecer obviamente os seus principais êxitos e de sentir que tinham bastante qualidade, dentro do seu estilo. Sabia que ele tinha deixado de fazer espectáculos ao vivo em 2016 por motivos de saúde, mas não sabia bem a história e o que tinha acontecido até chegar a esse ponto. Fui por isso ver o documentário "True Stories" sobre o seu percurso, desde o início, e o que vi foi uma pessoa muito jovem que de repente se encontrou com um tema que foi um êxito à escala mundial, com tudo o que isso representa. Vi também que parte de esse êxito se deveu ao seu "manager", Ash Pournouri, à sua gestão e ás suas negociações com as várias editoras interessadas em "Levels". O resultado foi um grande "hit" de tal forma que o nome Avicii foi projectado para a primeira linha dos DJs/Produtores de EDM, com pouco mais de 20 anos. 

O documentário "True Stories" saiu em 2016, pouco depois de Avicii ter decidido deixar de actuar ao vivo e de ter rescindido contrato com o seu "manager", e resultou de 300 terabytes de vídeo que o seu amigo Levan Tsikurishvili registou durante 4 anos. A maneira como o documentário narra a história, como regista as imagens de um Avicii deitado na cama a trabalhar no seu portátil depois de ter sido operado para lhe retirarem a vesícula e o apêndice, mostra bem a pressão que havia sobre si. Dois anos antes tinham-lhe diagnosticado uma pancreatite aguda, uma infecção crónica no pâncreas que normalmente é devida ao excesso de álcool e que provoca dores insuportáveis, e em que nos casos mais graves pode provocar taquicardia e ansiedade, o que obviamente só agrava o problema. No documentário pode ver-se como nessa fase Avicii teve que reduzir e limitar muito o que comia (a comida agrava o problema porque activa a formação dos sucos pancreáticos que neste caso provoca uma dor intensa) e emagreceu muito. Apesar disso é visível a pressão do seu "manager" para tomar os analgésicos (que para este nível de dor já se podem tornar aditivos) para fazer os muitíssimos espectáculos que tinham em agenda, porque nesta altura Avicii facturava a módica quantia de 17 milhões de dólares ao ano.
 
Ash Pournouri, o seu "manager" até 2016, descobriu Tim como produtor aos 18 anos quando era promotor de eventos em "Clubs" e estava a terminar o curso superior de advocacia. Vendo o seu talento e a sua rapidez em produzir temas decidiu agencia-lo e mostrar o seu trabalho aos melhores DJs e Produtores na altura, criando uma empresa para o efeito que, com todo o sucesso atingido por Avicii fez dele um milionário até 2016, ano que Tim deixou de ser representado por ele e tomou conta da sua agenda e também da sua vida. O que se pode ver no documentário "True Stories" é que Ash, sendo uma pessoa mais extrovertida e mais "agressiva" comercialmente do que Tim, levou o artista até ao limite físico com os inúmeros espectáculos, muitas vezes em dias consecutivos e a milhares de quilómetros de distância uns dos outros. Obviamente que Tim queria o sucesso, buscava o êxito que teve e que Ash o ajudou e muito nesse objectivo, mas não estava psicologicamente preparado para o peso que a dimensão desse êxito representava. Com uma personalidade introvertida que não gostava de ser o centro das atenções, é difícil imaginar o que teve que superar para subir a um palco e ter que actuar em frente de milhares de pessoas, ter que ter uma cara alegre e sorridente mesmo quando estava sobre o efeito de fortes analgésicos e com imensas dores. Mas era o centro da máquina que gerava milhões e de uma maneira ou doutra teve que o fazer, até atingir o seu limite físico.
 

(...) é difícil imaginar o que teve que superar para subir a um palco e ter que actuar em frente de milhares de pessoas, ter que ter uma cara alegre e sorridente mesmo quando estava sobre o efeito de fortes analgésicos e com imensas dores.


E isso leva-me ao motivo desta minha crónica, o outro lado da vida de um DJ. Há muita gente, especialmente as gerações mais novas que aspiram a ter uma carreira como DJ que provavelmente só veem a parte dos "braços no ar", a parte dos aplausos, das caras sorridentes na cabine onde tudo parece fantástico e maravilhoso. Obviamente que é fantástico vermos as caras felizes das pessoas que estão à nossa frente a dançar a música que estamos a passar! Mas há uma outra parte, uma outra cara da moeda que não é visível ao grande público. São as muitas horas que passamos em viagens, voos muitas vezes atrasados que nos fazem andar a correr no aeroporto, com poucas horas de sono (ás vezes de directa) e que provocam um grande desgaste físico. E mesmo assim, na noite seguinte temos que estar na cabine, com um sorriso na cara e de "braços no ar". Já sem falar na pressão que existe para que as nossas actuações sejam sempre boas, tenham impacto e que agradem ao público que temos à frente. Essa pressão existe sempre e é gerida de diferentes maneiras pelos diferentes artistas, mas também provoca desgaste, de uma maneira ou doutra.

É óbvio que somos pagos para essa função e em alguns casos muito bem pagos. Mas também é verdade que o dinheiro não serve de nada quando atinges um limite físico como infelizmente atingiu Tim Bergling e que o levou, como indicam as últimas noticias, ao suicídio. É um exemplo extremo de como uma actividade vista por muitos como uma coisa fantástica e maravilhosa (que também é) mas que tem uma parte não visível ao grande público que é extremamente desgastante.

Aconselho por isso a todos os que aspiram a ser DJs a verem o documentário "Avicii: True Stories" para verem o outro lado da vida aspiram a ter. É óbvio que nem todos vão ter um calendário "louco" com o de Avicii, com actuações quase todos os dias (situação que numa fase da sua carreira chegou a acontecer) mas se quiserem mesmo levar a sério uma carreira como DJs (e produtores) e caso tenham sucesso, vão querer fazer mais e mais "gigs". Embora isso ao princípio seja fantástico, quer pelo dinheiro que entra, quer pelo reconhecimento que representa, a medio-longo prazo, se não tiverem cuidado, o preço a pagar pode ser muito alto. Demasiado alto no caso de Tim Bergling. Que descanse em paz.
 
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
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