Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
Apesar de ser difícil evitar comentar o facto de, mais uma vez, todo o sector da diversão nocturna e produção de eventos estar a pagar o preço da subida dos contágios de Covid-19, quase dois anos (!) depois deste pesadelo ter começado (apesar de serem as escolas o grande motivo desta subida), e depois de só nos terem deixado trabalhar "sem restrições" desde 1 de Outubro até 1 de Dezembro (60 dias!) a minha crónica este mês é sobre um tema bem diferente.
 
Há umas semanas chegaram-me vários vídeos de uma atuação "D.J." de alguém que, não o sendo profissionalmente, estava a exercer essa actividade, num local público, onde as pessoas pagam para entrar e onde a música é um dos produtos que esse local "vende”. As pessoas pagam para entrar, para dançar, para beber um copo, socializar. Como acontece em todos os locais do género. 
 
Num dos vídeos que recebi, a qualidade da atuação, a parte técnica, não era propriamente a melhor, e resolvi publicar esse vídeo numa rede social. O certo é que o vídeo atingiu uma repercussão que eu não estava à espera e o "performer", indignadíssimo, conhecido pela sua linguagem "solta" no Twitter, partiu para o insulto grátis e "mandou" os seus seguidores fazer o mesmo, numa onda de "social media bullying" que eu só vi bastante mais tarde, porque aos primeiros "comentários" menos próprios usei aquela opção bastante útil que se chama "silenciar".
 
Tem alguma piada que estas pessoas que vão actuar como D.J.'s num local aberto ao público, onde eles próprios digam que "eu não sou D.J., estou a fazer isto por paixão/amor à música" para justificar a sua menor capacidade para, tecnicamente, fazerem um bom trabalho, fiquem indignadíssimos quando alguém grava um vídeo dessa falha, desse momento em que a coisa não está a correr bem. Hoje em dia toda a gente tem um telemóvel com uma boa câmara de vídeo e se o nosso trabalho corre mal, temos que ter encaixe para aceitar a crítica dessa falha, venha ela de profissionais, venha do público.
 
É verdade que há alguns anos atrás, quando a carreira de D.J. começou a ter um grande destaque a nível dos media e com o aparecimento dos softwares que permitem o "beat mixing" muito mais facilmente do que até então, muita gente que nunca tinha estado à frente de uma mesa de mistura cedeu à tentação de começar a fazer atuações D.J. em espaços abertos ao público. Actores, ex-futebolistas, manequins, bailarinos, entre outros, decidiram assumir actuações como D.J. em discotecas, bares e eventos. Alguns com mais sucesso do que outros, mas o certo é que houve uma "fornada" de figuras "públicas" que decidiu enveredar por esse caminho. 
 
Obviamente não tenho nada contra isso, se os donos dos espaços/eventos os contratam, é porque acham que vão fazer dinheiro com as suas actuações, ninguém faz contratações para perder dinheiro, acho eu.
 
A pergunta pertinente na minha opinião é: vamos "ouvir" o D.J. ou vamos "ver" o D.J.? 
É um facto que nos últimos anos houve uma tendência para o aparecimento de D.J.'s/"live acts" com grande interação com o público, com saltos, microfone, toda uma parafernália de efeitos luminosos, de fumo, sonoros, que criam um conceito de espetáculo total em que o D.J. e a música são só uma parte desse espetáculo. Ou seja, nestes eventos vamos “ver” e “ouvir” os D.J.'s num conceito de espectáculo global.
 
Embora não sendo a minha área, obviamente que não tenho nada contra esse tipo de espectáculos/actuações D.J., há muita gente que gosta e de facto é um quase sempre um evento com muito mais impacto a nível visual do que um evento "normal" onde a música é o principal motivo de este acontecer, a principal atracção.
 
O tema desta crónica leva-me a essa pergunta: devemos "alimentar" essa curiosidade sobre uma figura "pública" que vai para dentro de uma cabine, para fazer um trabalho que tem muitas falhas técnicas só porque é "aquele senhor da TV"? É isso o mais importante? 
 
Ou é a música, a maneira como ela é usada, o que verdadeiramente importa?
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
segunda, 04 novembro 2013 14:40

DJs VS Produtores

 
É obrigatório ser DJ e produtor hoje em dia? Um DJ é um produtor melhor? Um produtor é um bom DJ? Saberes fazer música faz com que a tua carreira evolua mais rápido? Aparentemente, hoje em dia quem faz um tão aclamado "hit" passa do 0 para o #40 da DJ Mag - como foi o caso do Martin Garrix, era "desconhecido", e hoje em dia é dos DJs/produtores que mais toca e corre o mundo.
 
Nos clubes e nos festivais o que se ouve são as músicas feitas pelos produtores de música, sempre foi assim e sempre será, são eles que inspiram as pessoas a ouvir e a gostar de música, é por causa deles que as pessoas acabam por sair à noite, para ouvir e se divertir ao som da música deles... e a maior parte dos DJs, são DJs porque se inspiraram em algum DJ/produtor.
 
Mas o reverso da medalha também existe. Se não houvessem DJs, os produtores não tinham forma de sustento, as suas músicas não eram vendidas e não eram tocadas nas pistas de todos os clubes e festivais que existem por esse mundo fora... o DJ é o principal porta-voz das músicas nos tempos que correm - existem cada vez mais clubes, cada vez mais festivais e todas as músicas que saem para o mercado hoje em dia, já vêm acompanhadas com o "remix pack" e na sua grande maioria, já agradam a toda a gente - desde o tech ao trap.
 
Nos anos 80 e 90, não era fácil ser-se produtor de música - tudo era extremamente caro de se comprar e não havia internet com as velocidades estonteantes que há agora, mas acima de tudo, era tudo analógico, não havia muito software. Hoje em dia, com a internet e a pirataria a fervilhar - e como ser DJ/produtor está na moda - qualquer pessoa pode ser um "DJ/produtor", ainda que não saia de casa e tenha apenas um laptop e um DAW qualquer à escolha - pirateado, e meia dúzia de VSTs. 

Um simples DJ acaba por ser como uma banda de covers, nunca toca as suas músicas mas sim os sucessos das outras bandas.

 
Ver um DJ passar a produtor de música é capaz de o transformar em alguém melhor - o facto de aprender a ouvir "não" (das editoras e de outros DJs/produtores), a coragem que é preciso ter para mostrar o seu trabalho - ainda que alguns não têm bem noção do que fazem e só porque os amigos dizem que está "bom" já se acham a "última bolacha do pacote", por outro lado também têm a força de criar algo do zero, do nada, algo inexistente, investir tempo, aprender, evoluir, crescer como artista, como profissional e como pessoa. Um simples DJ acaba por ser como uma banda de covers, nunca toca as suas músicas mas sim os sucessos das outras bandas, podem ser super talentosos e com uma técnica e leitura de pista inacreditável, mas no final, são apenas um "DJ". Claro que um DJ é sempre alguém que cria de uma certa forma e expressa a sua criatividade, mas poucos são os que tentam evoluir e fazer algo inovador e diferente...
 
Um DJ/produtor, por outro lado, é visto como alguém que escreve música, criar e toca os seus próprios temas, faz edits, bootlegs, mashups, procura sempre dar o seu cunho pessoal à música que toca e apresenta aos seus fãs e acrescenta valor à indústria musical, ao mercado que o rodeia e à sua "fan base". 
 
Ao contrário do mundo de um DJ, que na sua maior parte, vive "sozinho" quando está a actuar, porque a cabine é sua e ele é que decide o que vai tocar, um produtor vive em colaborações - podem ser músicos, cantores ou até mesmo outros produtores - isto impulsiona a comunicação, a exploração das fraquezas e forças, a interação, a criatividade e a inspiração - basicamente, aprende-se imenso quando se faz colaborações, tens que ser cordial, saber ouvir e respeitar as opiniões.
 
Quando fazes música estás a ser obrigado a tomar decisões - se vais fazer uma música de house, progressive, tech, trap, dubstep, whatever... que VST's vais usar, que som vais escolher, vais perder tardes a mexer num knob de um synth que altera uma frequência que muda a música toda e és obrigado a seguir em frente, a decidir. Vais procurar uma editora ou pensar se vais abrir a tua própria ou ainda se a vais disponibilizar grátis. Vais enviar a música a todos os teus amigos DJs, vais ouvir "nãos" e vais ouvir "sims". É um processo que não acaba e as decisões são constantes e a maior parte do tempo, tu não tens tempo para parar e pensar - tens que tomar decisões na hora. É um processo criativo, intenso, emocional e divertido... mas no final, super recompensador.
 
 
Daniel Poças
FY2 - The Party Rockers
Publicado em Daniel Poças
quarta, 01 fevereiro 2017 21:25

It's all about music

Vivemos numa era digital. Inicialmente, quando surgiram as primeiras tecnologias digitais todos e em todas as áreas profissionais, mas em particular na música mostraram alguma resistência à mudança. No entanto, rapidamente os benefícios e vantagens do formato digital conquistaram os profissionais em todos os quadrantes.
 
Eu, por acaso, confesso ter sido um dos resistentes a esta mudança e deixei o vinyl muito depois de ter aparecido a possibilidade de trabalhar a música de forma digital. Mas isto tem uma justificação forte. Antigamente, nos primórdios da cena digital, todo o material técnico para DJ não era de grande qualidade. Felizmente as coisas mudaram, hoje em dia a qualidade por exemplo dos CDJ seja da gama mais básica aos topo de gama, apresentam qualidades técnicas e funcionalidades que os seus primórdios nem sonhavam.
 
Na minha área musical, atravessando esta nova tendência, alguns temas que me interessavam começaram a deixar de ser prensados em vinyl e por isso quase de uma forma natural fui incorporando no meu setup de DJ a tal vertente digital (CDJ) para poder ir acompanhando o que se passava e tocar até alguns temas exclusivos, remix’s ou mashup´s que em parte não eram editados no formato vinyl. Facto esse, prende-se com a redução de custos, não só de produção como de edição e distribuição. O formato digital revela-se assim, um meio extremamente económico e com potencial lucrativo brutal.
Com isto, viria mais tarde a comprar um Mac (computador portátil) para poder iniciar-me nesta nova era. À primeira vista só o facto de me libertar de kilos de peso das malas de discos para me movimentar de gig para gig já era uma grande vantagem.
 
Desenvolveu-se no entanto, ainda algum preconceito especialmente entre a comunidade DJ relativamente aos DJs que optam por abraçar esta evolução tecnológica recorrendo assim, por exemplo, ao tão afamado sync ou a controladores digitais que recorrem a comunicação MIDI. Parece-me um assunto que apesar de muito polémico, se afasta do conceito essencial que é o trabalho de DJ na sua essência.
 

O facto de um DJ assumir a utilização de sync, não faz dele menos DJ do que um DJ que continue a trabalhar com vinyl.

 
A essência de ser DJ não é, nem nunca foi o formato de som que se opta para tocar ou trabalhar, mas sim a forma como o faz, ou seja, a escolha dos discos e a técnica com que os passa é sempre o primordial, no entanto, historicamente o DJ é conhecido pela utilização de discos em vinyl, através do qual também a técnica transparecia, aliás, nos dias de hoje ainda se registam vendas muito acentuadas que são na sua maioria graças aos DJs que persiste com a utilização do vinyl.
 
O vinyl hoje é visto como uma jóia e os temas lançados neste formato são aclamados muitas vezes como raridades ou edições limitadas que são muito apetecíveis especialmente entre os DJs mais underground o que acontece mais em vertentes como o techno, tech-house e house.
 
Este preconceito de que falamos prende-se muito, na minha opinião, com a resistência a mudança. O facto de um DJ assumir a utilização de sync, não faz dele menos DJ do que um DJ que continue a trabalhar com vinyl. A época em que o DJ precisava e gostava do vinyl também para demonstrar a sua superioridade técnica já era… Na verdade, um "SYNC DJ" pode tornar o seu trabalho bem mais complexo e personalizado relativamente a qualquer outro DJ. Existem vários exemplos de sucesso internacional que utilizam um setup complexo recorrendo a sync para poderem introduzir desde samples,  loops ou acapellas.
 
O paradigma de DJ hoje é muito diferente do que era ha 10 anos... ou nem tanto. Porque na realidade as pessoas não querem muito saber se o DJ X ou Y toca em vinyl ou cd ou pen... a sério? Ainda há quem acredite que isso é a essência do que quer que seja? 
Pode ser um plus, ou algo que abone a favor do DJ para quem aprecie o som do vinyl por exemplo, mas mesmo assim nem nisso vejo uma vantagem... tudo depende do que é melhor para cada DJ... cada um escolhe o seu setup de acordo com o que acredita ser melhor para o seu trabalho. E aqui encontramos outra grande vantagem, na minha opinião da era digital que é a oferta de possibilidades de escolha e da entrada mais facilitada de novos talentos no mercado.
 

As pessoas não querem muito saber se o DJ X ou Y toca em vinyl ou cd ou pen.

Temos que olhar para tudo isto como uma espécie de benção. Temos DJs como o Richie Hawtin ou o Dubfire no techno ou ainda Deadmau5 do house progressivo que hoje em dia quase sempre só tocam recorrendo a controladores MIDI e eventualmente CDJ ou ainda exemplos como Ricardo Villalobos, Sven Vath, entre outros que preferem utilizar ainda o vinyl. 
 
Achei importante abordar este tema no sentido de tentar fazer as pessoas perceberem que o trabalho de DJ é muito mais do que o formato de música que utiliza para trabalhar. Embora trabalhe hoje em dia recorrendo unicamente ao formato digital mais precisamente aos CDJ, acho injusto muitas críticas que ouço, tanto de profissionais como de amadores ou público em geral relativamente ao facto de se usar CDs, pens ou ainda recorrendo a softwares como o Traktor ou o Serato para tocar fazendo assim parecer que só o vinyl é valido para profissionais e tudo o resto não interessa.
 
Hoje em dia, com a qualidade dos estúdios, das tecnologias, etc., a música tem uma qualidade incrível e portanto o formato analógico ou digital não diz respeito, nem afeta negativamente a música, ou pelo menos esse não é o suposto... a tecnologia existe para facilitar o nosso trabalho e para nos ajudar a desempenhar os nossos trabalhos.... mas seja como for, e aliás como dizia a musica... "It's All About Music”.
 
Publicado em João Garcia
terça, 31 maio 2016 23:04

Vale a pena continuar a fazer música?

De vez em quando esta pergunta surge-me nas muitas horas em que estou em estúdio, a produzir/misturar/ masterizar novos temas. Vale mesmo a pena perder tantas horas no “bunker” a produzir novas músicas que, muito a custo, chegam aos DJs/Produtores aos quais eu quero que cheguem, ou até mesmo ao público que eu acho que vai ouvir/tocar os meus temas? É uma pergunta pertinente...
 
Já se sabe que hoje em dia, as vendas de música online descem de ano para ano. Pelo menos é o que dizem os distribuidores/lojas online aos artistas/editoras, e em parte deve ser verdade porque pelo que ouço, a maior parte da malta mais nova (e não só...) nem sequer se dá ao trabalho de ir às lojas legais comprar os temas, que na sua maior parte custam entre 1.50 e 2.50 consoante sejam novidades ou não. Procuram nas páginas de descarga gratuita, procuram no Youtube e tentam fazer o “download”, entre outros métodos. Há até algumas páginas que disponibilizam os temas por “megabyte” ou seja, pagas por quantidade de informação que descarregas e não por tema/álbum individualmente. Escusado será dizer que nenhuma parte desse dinheiro chega aos artistas/editoras...
 
Lembro-me de quando começaram as vendas online (o Beatport abriu em 2004), ainda se vendiam bastantes discos em vinil. No caso da Magna Recordings, eram os suficientes para podermos pagar toda a produção dos discos seguintes aos artistas e ainda sobrava algum para pagarmos as despesas. Na altura dizia-se que com a venda online, os nossos temas iam passar a ser vendidos em todo o lado, de uma forma mais prática, e que não iriamos ter todas as despesas do processo de fabricação dos discos em vinil, que eram muitas. Era sempre um risco grande editar um disco em vinil porque os custos de produção eram altos.
 
Essa teoria até foi correcta durante algum tempo. As edições em vinil e em digital existiram em simultâneo durante algum tempo e a venda em formato digital complementava a dos discos em vinil. Até que o medo que as pessoas tinham em ser apanhadas a fazer download ilegal dos temas, desapareceu. Com o avanço das velocidades de descarga, essa situação chegou aos jogos, aos filmes, aplicações, a praticamente tudo.
Sinceramente ainda pensei que quando os downloads ilegais chegaram aos filmes e aos jogos, finalmente algo iria ser feito para controlar essa situação, uma vez que já não era só a indústria musical que estava ameaçada mas sim várias indústrias de entretenimento que representam milhares de milhões de dólares.
Estava enganado.
 

Infelizmente (ou talvez não) não sou dos produtores que demoram 4 horas a fazer uma música.

 
E chegámos aos dias de hoje. Milhares de músicas são editadas todos os dias nas várias lojas online que existem. O avanço da tecnologia e consequente descida de preço do equipamento, provocou que cada vez mais pessoas se dedicassem à produção de música, seja ela electrónica ou não. Obviamente isso é positivo, mas essa situação provocou uma “avalanche” de música. Claro que no meio de milhares de temas, há muitos em que a qualidade não é a melhor, o que torna cada vez mais difícil encontrar “aquele” tema que vai fazer a diferença no “set”.¬ Por isso, cada vez é mais difícil um bom tema ter algum destaque nas lojas online. Há várias maneiras “menos convencionais” para colocar um tema nos charts de vendas do Beatport, praticamente todas passam por comprar as próprias músicas para que estas subam nos charts de vendas e tenham visibilidade. Eu recuso-me frontalmente a ter que pagar para isso! 
 
 
É verdade que para ter visibilidade hoje em dia há que editar muitos temas, e que a maior parte desses temas cheguem aos charts de vendas. É isso que (pelo menos em teoria) te vai ajudar a ter mais “gigs”. É um facto que se queres realmente ter destaque a nível Internacional, terás que ter temas que se destaquem lá fora. Mas RECUSO-ME a ter que pagar para que isso aconteça! Se uma música minha entrar num top de vendas, óptimo, se não entrar, óptimo também. Claro que se não entrar vai chegar a menos pessoas, até porque com a quantidade de temas que saem todos os dias, uma das “táticas” para comprar música é ouvir o que está nos charts. Eu próprio faço isso quando compro música.
 
Infelizmente (ou talvez não) não sou dos produtores que demoram 4 horas a fazer uma música. Vejo muitos a dizer no Facebook “mais uma música terminada, em 4 horas!!”. Claro que com os “packs” de “samples” que há à venda é relativamente fácil fazer um tema, em 4 horas, só a juntar “samples”. Mas sinceramente esse não é o meu conceito. Obviamente não tenho nada contra quem consegue (e alguns fazem-no muito bem!) fazer um tema em 4 horas, mas o meu processo é mais lento, e passa por alterar muito dos “samples” que uso nos temas, acrescentar os meus “baixos”, os meus efeitos, etc. É um processo lento de criação que provavelmente eu deveria “acelerar” para ser mais produtivo, para ter mais temas/remisturas no mercado e assim ter mais possibilidades de chegar aos charts de vendas.
 

Não há nada melhor que levarmos o nosso tema novo a “testar” a um club/evento.

 
Cada vez que a pergunta do título desta Crónica me aparece e a dúvida me ocorre, a resposta também me aparece em seguida: SIM, vale a pena “perder tempo” a fazer música! Não há nada melhor que levarmos o nosso tema novo a “testar” a um club/evento e que este funcione muito bem, o público “salte” e que a “pista” se manifeste efusivamente, mesmo não sabendo que tema é, nem quem é o seu autor. É uma sensação única que “apaga” logo todos os “problemas” que surgiram na sua criação, todas as “frustrações”, todos os “test mixes”, todas as alterações que fizemos e que não estavam bem. Mas todo esse (no meu caso, longo) processo contribuiu para o resultado final!
 
Por isso se realmente querem ir mais longe na vossa carreira como DJ, o meu conselho é: mesmo naqueles momentos em que mandaram as vossas demos para 50 editoras e nenhuma respondeu, mandaram o vosso tema novo para os vossos DJs favoritos e nenhum deles respondeu, não desistam! Insistam, ouçam e comparem os temas que mais gostam com os vossos e vejam onde podem melhorar. Se conseguirem fazer isso, mais cedo ou mais tarde, a vossa oportunidade vai chegar. Acreditem nisso!
 
Carlos Manaça
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
terça, 15 março 2016 17:28

Moda de música ou música da moda

Começo por agradecer ao Portal 100% DJ pelo simpático convite de me juntar a esta prestigiada família.
Quando me convidaram para escrever esta crónica, pensei com medo, estando ciente de estar ao lado de tanta gente conhecedora da indústria, que eu não teria expertise suficiente sobre o assunto.
 
Confesso que pensei que deveria fazer como tantos famosos artistas mundiais o fazem… pedir a alguém que escrevesse e eu apenas dava o nome! 
 
Não cedi à tentação e escrevi apenas este texto como um... desabafo!
 
Lembro-me agora de uma troca de opiniões que tive nos finais dos anos 80 com o meu Pai, sobre um estilo musical que estava a dar os primeiros passos em Portugal: o House Music.
 
Nessa altura eu defendia a música gerada e difundida pelo "messias" Mr. Frankie Knuckles e que tinha como elemento característico a batida electrónica sempre acima dos 120 bpm. 
O meu Pai, amante de música e locutor de rádio nas madrugadas da Antena1, não compreendia como era possível alguém ouvir aquilo a que chamava “barulho” e pior... como era possível ainda alguém gostar.
 
Nessa altura, pensava eu: 
- O meu pai está mesmo velho, pois não compreende as novas tendências da música.
 
Hoje, passados anos, quando saio à noite nos principais eventos ou clubes mundiais, penso ao ouvir as músicas da moda:
- Como é possível alguém gostar disto?
 
Acredito que a minha filha pense também como eu há uns anos atrás que o pai coitado, já está velho e não entende nada sobre música moderna. 
 
Estou assustado com esta ideia, confesso! 
 
Será que estou mesmo a ficar velho e sem a capacidade de me atualizar musicalmente?
 
Penso então que talvez ainda haja uma possibilidade de me safar deste meu envelhecimento de actualização musical, peço então a vossa ajuda para refletirem comigo:
 
O agora auto-denominado EDM - (a que eu carinhosamente chamo “Música das Buzinas”). Começa logo pela usurpação de um nome - EDM
 
  • EDM - Electronic Dance Music é toda uma cultura de música de dança e electrónica e não apenas uma categoria dentro da pasta completa do House Music.
 
Aqui começa a minha reflexão sobre o que é a moda de música ou música da moda.
 
  • Nos anos 90 havia um estilo de música (EuroPop), que por tão frequentemente e quase que em exclusivo se ouvir nas feiras populares, até se utilizava a simpática denominação de música “carrinhos de choque”. 
 
A “Música das Buzinas” e enganosamente chamada EDM é na sua generalidade semelhante à música “Carrinhos de Choque”, sendo a sua construção sem grandes alterações na sua génesis musical e a aplicação de apenas modernos retoques de produção de máquinas que não existiam na altura.
 

Fico triste, pois acho que o House Music que eu defendi, se transformou apenas num espectáculo de estrelas Pop(…)

 
PLEASE, onde está então a novidade? Porque é que a música de “carrinhos de choque” era foleira na altura e está agora na moda movimentando milhões de seguidores?
 
A resposta a esta pergunta é quase tão difícil como saber o porquê de os carros brancos nessa altura serem chamados frigoríficos com rodas e agora até eu estar a pensar em ter um?
 
Ainda há pouco tempo, falei com um conjunto de reconhecidos coreógrafos que me disseram que era quase impossível hoje em dia, coreografar espectáculos com a “Música das Buzinas”. 
Então como é possível? Fica então a minha dúvida, se a base da música electrónica é fazer as pessoas dançar, como é possível ser difícil fazer dançar os coreógrafos?
 
Será que quando se diz que a máxima "nada se inventa e tudo se transforma", já esgotou o espírito de imaginar música realmente nova? 
Era necessário pegar em tudo o que era piroso há uns anos atrás, retocar, modernizar tecnologicamente e virar tendência?
 
Fico também rendido, quando me recordo que até eu próprio, no concerto dos Swedish House Mafia no Meo Arena, estava na pista maravilhado com o espectáculo visual e que dei por mim a pensar que a magia que ali estava a acontecer em termos técnicos, não era compatível com a possibilidade de os artistas poderem estar a tocar realmente, pois tudo batia perfeito: as explosões de CO2 com a batida, as imagens com os vídeos e os laser com os refrões que todos cantávamos, mas que isso afinal, ou seja a arte inicial dos artistas, já não era fundamental!
 
Fico triste, pois acho que o House Music que eu defendi, se transformou apenas num espectáculo de estrelas Pop e onde o marketing de comunicação do mundo actual, nos fez perder o gosto e a consciência própria do que realmente gostamos e ensinou-nos ou impingiu-nos a seguir tendências e conceitos que por muito que já tínhamos achado foleiro ou pimbas em determinadas alturas das nossas vidas, agora somos seguidores convictos.
 
Provavelmente eu, estou de facto, velho!
 
João Paulo Lourenço
Publicado em João Paulo Lourenço
quarta, 28 maio 2014 18:55

O futuro da EDM

Corro o risco de esta crónica entrar na história da 100% DJ como a menos popular, ainda assim acho que tem que ser feita. Odeio quando as pastilhas elásticas perdem o sabor e é neste ponto que a EDM está neste momento. Foi-nos apresentada com uma embalagem muito cativante cheia de cor e quando demos a primeira trinca era fenomenal: uma autêntica explosão de sabor. Mas foi perdendo o sabor à medida que a fomos mastigando incessantemente.
 
Exagerou-se em tudo. Na quantidade de músicas, de "novos produtores", de versões 2.0, 3.0, 50.0 de hits. Perdeu-se a alma e a essência. De todo o oceano de faixas lançadas nestes últimos anos, contam-se pelos dedos as que ficarão para a história da música electrónica dentro de uns anos. É o que acontece quando as pastilhas elásticas deixam de ter sabor, deitamos fora e nem nos lembramos mais delas. Simplesmente comemos outra quando nos apetecer. O sabor é o mesmo, o que importa é a novidade.
 

Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.

 
Por outro lado, neste processo, pecou-se em muito pouca coisa. Não sou dos que acha que houve falta de criatividade. Criatividade foi o que não faltou na EDM. Reinventou-se o Dubstep, reinventou-se o Minimal, reinventou-se o Tribal, o Hip Hop, e até - pasmem-se - o Reggaeton. Tudo foi feito para não deixar morrer a EDM.
 
E a EDM não morreu. Não sou dos que acha que "isto está tudo a mudar" só porque um dia acordámos com mais faixas de deep/tech no top 10 do Beatport do que de EDM. Isso é fácil de explicar. Houve muitos bons lançamentos de Deep/Tech e não tão bons lançamentos de EDM, nesta semana. É só isto.
 
A EDM tem uma característica que nunca outro estilo musical dentro da dance music teve. Tornou-a em pop music. Música que eu oiço, tu ouves, mas também a minha mãe, o teu avô ou a tua filha. Toda a gente ouve. É mainstream. E o mainstream, meus caros amigos não acaba, reinventa-se.
 
E é exactamente essa a minha previsão - que vale o que vale, ou seja muito pouco - a EDM não morre, reinventa-se. É preciso dar-lhe alma. Fundi-la com música. Com reggae, com hip hop, com world music, com as raízes do house, do techno, do deep, do jungle, enfim, com tudo.
 
Mais do que nunca, é preciso criatividade, porque uma coisa é certa: quem continuar no caminho fácil do "mais do mesmo" vai definhar.
 
Hugo Serra Riço
Publicado em Nightlife
domingo, 11 abril 2021 12:41

Música, Noite e Eventos

É um pouco ingrato falar sobre eventos quando há mais de um ano que estamos confinados. 
Isso não quer dizer, e antes pelo contrário, que não ousamos música, se calhar mais do que antes.
A música sempre foi pra mim a segunda coisa que mais consumo na vida depois do ar.
Se a felicidade é viver intensamente cada instante, na medida que eles acontecem, a música traz-nos felicidade, pois em cada batida estamos, nela, sintonizados.

Costumo dizer que, no convívio é que está o ganho.
A troca de energias no convívio entre nós é fundamental.
Os eventos, os eventos com música, a noite.
Coisas maravilhosas que a saudade me faz sentir uma lágrima.
A reunião.
Que falta faz!
 
Adiante.
Mais adiante virá.

Entretanto falemos do que temos. Do desejo, de vontade, do sonho.
Sonhar é viver. Viajar e viver.
A música leva-nos numa viagem traçada pelo ritmo e colorida pela melodia. Uma viagem no tempo, nos sonhos, nas memórias, no desejo, no amor...
...o amor, a partilha,... a Noite reúne tudo isto. 
A noite é a reunião.

Noite. Leva-me contigo a dançar, a falar, a imaginar, a ser, a parecer, a inventar, a elevar.
Transforma-me em sons eletrônicos de ritmos irresistíveis e olhares profundos de sensações novas. Faz-me rir, gritar, ver de olhos fechados.
Faz-me ter o que não tenho, aceitar o que não quero. Faz-me novo na tua luz ou cúmplice na escuridão.
Voa em mim, em sublime liberdade.
Veste-me de euforia, esconde-me a verdade.
Sê um sonho infinito. Sê a pura fealdade.
Traz-me a vida de outras margens, leva-me a morte no destino.

Música. Alimenta-me de alma, Liga-me às correntes. Abandona-me em ti.
Existes por dentro.
Pincela-me a existência com lufadas de energia, Dá-me o contexto da alegria.
Sigo-te cego, em sintonia, és o amor sem caligrafia.
Tudo isto no contexto de um grande evento, onde te encontre a ti, e todos os que não conheço.
Faz-me sentir o mundo, faz-me ser o alcance, desenha-me de humano, num aperto de comoção. Torna o meu instante no infinito, o agora no eterno.
Implanta a tua essência, pela música selada, numa memória sagrada.
Ilumina os meus passos com o valor da tua graça, dá-me a tua mão e uma chalaça.

Vem. Vem comigo para onde fores. Sempre.
 
Luís Magone
DJ
Publicado em Luís Magone
sexta, 29 maio 2020 22:08

Indústria da noite VS Pandemia

Nesta minha crónica para a 100% DJ decidi não falar do foco principal que normalmente guia a ideologia desta plataforma, mas faço-o muito por achar que nesta altura as duas acabam inevitavelmente por estar interligadas, ao mesmo tempo que peço desde já desculpa aos leitores pela extensão da mesma. 

Desde o princípio do mês de Março que o nosso país, bem como o resto do mundo tem sofrido de uma forma absolutamente inesperada com uma pandemia assassina e muito calculista que tem matado indiscriminadamente um pouco por todo o mundo. Na altura, o confinamento geral acabou por ser a decisão mais correcta, causando danos imediatos na nossa sociedade e comércio, bem como na nossa indústria, a nocturna, que como todos sabemos vive constantemente numa situação periclitante e de constante luta pela sobrevivência. É evidente que factores como o distanciamento social e todos os cuidados que nós, como cidadãos, tivemos que começar a adoptar, imediatamente fizeram perceber que os negócios de diversão nocturna iriam imediatamente ser os mais afectados, e com todo o sentido. 

A verdade é que cumprimos o nosso papel e, sem qualquer tipo de indicações ou apoios de qualquer espécie, fomos até, por iniciativa própria, os primeiros a compreender que era hora de cerrar os punhos e lutar contra um inimigo invisível. Os dias foram passando, a pandemia foi sendo controlada, o nosso país e Governo foi tido como exemplo lá fora e lentamente foram começando a ser dados passos para que lentamente pudéssemos todos voltar à normalidade, mesmo que condicionados e sendo obrigados, como é lógico, a ter em linha de conta que o problema não tinha desaparecido, mas sim controlado. 

Sector a sector, muito cuidadosamente, foram sendo abertas as portas das vidas de milhares de empresários, que puderam pelo menos olhar para o futuro com uma perspectiva mais animadora. Até aqui tudo bem, até nos termos começado a aperceber que esta mesma esperança não iria ser dada a todos, tendo inclusivamente os bares sido passados do sector de restauração e bebidas, onde sempre "viveram", para um sector invisível que até aos dias de hoje ainda não conseguimos muito bem perceber qual é. Numa primeira fase abriria a indústria que teria que abrir, e bem, e os bares e discotecas nem sequer eram tópico de conversa, quanto muito com uma previsão, mas na altura achei que tal era perfeitamente compreensível. Seguiu-se a segunda fase de desconfinamento, abrindo já o sector de restauração e bebidas, de onde os bares foram retirados como que por magia, e mesmo que com regras e restrições de horários lá tivemos cafés e restaurantes a ter a possibilidade de funcionar, sendo mais uma vez o sector noturno ignorado e sem qualquer tipo de informação relativamente ao futuro. Nesta altura, já os empresários lutavam contra a situação de ausência de qualquer tipo de apoio ou pelo menos uma perspectiva que daria uma luz ao fundo de um túnel muito escuro.
 

É verdade que faltará muita organização para se conseguir criar uma força que realmente tenha um peso suficiente para que pelo menos sejamos considerados, e isso é sem dúvida culpa nossa (...)


É verdade que faltará muita organização para se conseguir criar uma força que realmente tenha um peso suficiente para que pelo menos sejamos considerados, e isso é sem dúvida culpa nossa, se calhar passamos tempo demais a trabalhar e não devíamos, mas isso não significa que, devido a isso, tenhamos que continuar a ser ignorados quase em forma de desprezo ao ponto de serem absolutamente inexistentes as palavras "sector nocturno" nos comunicados do nosso primeiro-ministro, à excepção da única vez em que foi confrontado directamente por um orgão de comunicação social, a TSF, tendo o mesmo até parecido ter ficado bastante incomodado ao ponto de apenas dizer que se a indústria nocturna tivesse que ficar encerrada durante o Verão, iria ficar e isso não iria ser problema nenhum. 

Quando tomei conhecimento deste comentário, na minha opinião de uma irresponsabilidade política absolutamente inexplicável, dei por mim a analisar a situação actual, na qual observo alguns café e restaurantes que têm que encerrar às 23 horas, a funcionar ilegalmente até horários permitidos aos bares, a oferecerem serviços de bar sem terem qualquer tipo de especialização para isso, e numa altura em que até já se fala em levantar grande parte das restrições a este tipo de estabelecimentos, muitos deles continuam a não mostrar qualquer tipo de preocupações com as regras da Direção Geral de Saúde e a laborarem numa perspectiva bastante animadora, até porque se tivermos em linha de conta que uma boa parte da população portuguesa se encontra em "tele-trabalho", várias vezes conseguiremos facilmente afastar o cenário de pandemia dos nossos pensamentos ao andar na rua, tal é a descontração com que vemos as pessoas a retomarem as suas vidas de uma forma absolutamente normal, ao ponto de poderemos imaginar até que estamos em pleno Verão, notando-se um afluxo a esplanadas, cafés e restaurantes absolutamente anormal e até surpreendente para a data, na minha opinião, isto tudo para não falar na proliferação de festas ilegais, algumas que contaram já com mais de 100 pessoas como já me foi relatado por vários colegas de norte a sul do país e onde até, segundo a comunicação social, já aconteceram violações. 
 

Cada um civicamente acaba por ser responsável pela sua conduta, e irá sofrer, ou não, as consequências das suas atitudes (...)


Até aqui infelizmente tudo bem, cada um civicamente acaba por ser responsável pela sua conduta, e irá sofrer, ou não, as consequências das suas atitudes, mas ao voltarmos um pouco atrás reparamos num pequeno pormenor que me parece que estará a passar ao lado da vista de todos. Então, e o sector nocturno, como está no meio disto tudo? Absolutamente esquecido, com senhorios, empresários, bartenders, DJs, músicos, funcionários, marcas de bebidas, pequenos e grandes distribuidores e todos os que dependem desta indústria absolutamente entregues à sua sorte e, pior que tudo, a sentir na pele uma discriminação e desprezo sem comparação num Estado Democrático, ao mesmo tempo que assistem a esta série de acontecimentos que parecem estar a passar ao lado da opinião pública.

Os bares não podem abrir, mas os restaurantes e cafés trabalham o nosso mercado, as discotecas não podem abrir mas o festival do Avante não pode deixar de ser feito, as salas de espectáculos têm limitações do tamanho de 20m2 mas os aviões não têm restrições porque os passageiros apenas olham para a frente, ou seja, resumidamente, a cultura e a diversão nocturna não poderão nunca ser equacionados porque apenas não temos direito e somos um factor gravíssimo de risco. E será que ninguém pensa que talvez conseguíssemos dar mais garantias de segurança do que o café da esquina, onde toda a gente se abraça e faz de conta que tudo isto passou? E será que as discotecas não fariam um melhor trabalho de segurança do que uma qualquer garagem da Amadora? E o que fazemos aos milhares de artistas que ganhavam a vida a causar lazer e descontração a todas estas pseudo-figuras nas suas pausas de trabalho no Verão onde já eram imprescindíveis, para lhes dar música, fazer cocktails ou simplesmente os servir, o que fazemos aos milhares de funcionários altamente especializados que cada vez mais engrandeciam a qualidade de serviço do nosso país ao ponto de colocar Portugal como um dos mais apetecíveis destinos turísticos do mundo? O que fazemos aos milhares de espaços que anualmente enchiam os cofres do Estado com milhões de Euros em impostos apesar de serem constantemente bombardeados com impostos, taxas e licenças completamente desajustadas e algumas até inconstitucionais. 

Já não basta sermos preteridos em relação a um qualquer café ou esplanada que há anos que só sabe o que é servir cafés, tostas-mistas ou refrigerantes, ou a uma qualquer garagem ou anexo de acesso duvidoso, onde não existe qualquer tipo de segurança, não só contra o Covid mas também contra a nossa própria integridade física?
 

A pior coisa que poderemos algum dia sentir como cidadãos contributivos e activos dentro da economia do nosso país é sermos constantemente postos de lado, ao ponto de nem contarmos para uma terceira fase, e última de desconfinamento.


A pior coisa que poderemos algum dia sentir como cidadãos contributivos e activos dentro da economia do nosso país é sermos constantemente postos de lado, ao ponto de nem contarmos para uma terceira fase, e última de desconfinamento. O tratamento tem que ser igual para todos, cada sector tem que trabalhar para o seu mercado, porque é precisamente para isso que está habilitado, e um estado de direito não pode nunca dar a entender que devido a interesses políticos, existem prioridades e não-prioridades, a isto se chama viver num estado democrático. Ou se abre ou se fecha tudo, conforme os interesses não é boa política. 
Onde está o dinheiro dos nossos impostos de que finalmente tanto precisamos para conseguirmos superar isto? É que agora precisamos dele, e não pode haver desculpas. Acho também que está na altura de darmos o nosso grito de revolta, espalhando a nossa revolta um pouco por todo o país, até porque, ou muito me engano, ou não me parece que esta situação vá ter algum tipo de alteração nos tempos mais próximos, até porque à hora que escrevo esta crónica recebo a notícia de que por exemplo os cinemas vão abrir com total liberdade em termos de ocupação, já para não falar dos aviões não vão ter também qualquer tipo de restrições e até da festa do Avante, que vai ter que ir para a frente. E como ficamos nós, bares e discotecas deste país? Provavelmente iremos ter que deixar de existir...

Para terminar, e como um artista que já levou o nosso país a todo o mundo, e como empresário que já há muitos anos contribui arduamente para o sistema financeiro do nosso país, sempre sem falhar, até porque tal não me é permitido, ao contrário do oposto, sinto que o meu país está a falhar comigo, com os meus colegas artistas e com os meus colegas empresários, e isto é simplesmente inadmissível, diria mesmo que é uma vergonha pandémica! 

A realidade é esta, nós para eles não contamos para nada, a não ser para entregar os impostos, e isto é uma postura de país de terceiro mundo completamente inaceitável em pleno Século XXI. Está na altura de darmos uso à nossa voz, até porque como já percebemos, a comunicação parece claramente estar em sincronia com esta ostracização em relação a esta situação, ou muito me engano ou estamos prestes a ser o único sector a nível nacional que irá continuar encerrado.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
quarta, 21 fevereiro 2018 21:15

Fala quem sabe

A noite nacional é uma pálida imagem da de décadas anteriores, o número de espaços noturnos que mantêm a porta aberta está reduzido à contagem com os dedos de uma mão, em tempos, não tão longínquos, precisávamos dos dedos dos pés para os contar.

Durante a década de 90, em Lisboa, vimos abrir espaços como cogumelos, mais e maiores, a meio da década abriam as Docas de Santo Amaro de Alcântara, alguns metros mais à frente, abria um quarteirão com o Dock’s, Blues Café, Kings&Queens e o filho mais novo e também o mais pequeno, o Indochina, abria o Lux, espaços que se juntavam aos já existentes Plateau, Kremlin, Kapital, corria-se a Av. 24 de Julho com bares porta sim porta não, até chegarmos a Alcântara e encontrarmos o Alcântara-Mar e o Benzina, havia o Bairro Alto onde milhares circulavam pelas ruas. A maioria dos espaços tinham um dia por semana e, ao fim-de-semana, bastava abrir a porta que a enchente era garantia, a estatística falava em mais de 100.000 utentes da noite Lisboeta.

Foram anos de loucura e de abundância, o tempo das vacas gordas, de norte a sul, os empresários tinham um sorriso de orelha a orelha e os bolsos cheios, os deles e de quem para eles trabalhavam. Chegamos então a 2018 e o que temos? Uma fatia bem fina desse bolo. E qual a razão desta desertificação? Os empresários e os clientes trocam acusações, as redes sociais estão carregadas de opiniões, na maioria de treinadores de bancada. Fala-se do ambiente, da música, da falta de qualidade, será? Vamos a factos, Portugal deverá passar dos actuais 10,3 milhões de habitantes para apenas 7,5 milhões em 2080, de acordo com as projecções da população residente do Instituto Nacional de Estatística, devemos cair dos 10 milhões já a partir de 2031, ou seja, dentro de 14 anos. Qual o target dos espaços noturnos? Que idade tinham aquela centena de milhares de pessoas que saíam nos anos 90 e ainda no início do século XXI? Pois é, 18-30 anos, são esses os mais noctívagos, os mais disponíveis para sair, a partir dos 30 anos casam, têm filhos, a vida muda, com as obrigações riscam a vida noturna da lista das suas rotinas. Juntando aos dados demográficos, temos que juntar os culturais, as alterações que os avanços tecnológicos provocaram, quem não recorda que a rua era a nossa segunda casa? E a noite? No Verão era todos os dias, no resto do ano a sexta-feira e o sábado eram sagrados. Mas para as novas gerações não, a noite não é sagrada, e a casa é hoje palco de campeonatos de jogos nas mais modernas consolas de jogos, de maratonas de séries de televisão gravadas nas box’s ou extraídas em downloads ilegais, noites acompanhadas por álcool mas comprado barato num qualquer supermercado.

Concluindo, com estes dados, depressa chegamos à conclusão que a classe etária que tentamos aliciar está diminuída, a manta ficou cada vez mais curta, para uma casa encher a outra fica vazia, não há público. Muitos não aguentaram a instabilidade e fecharam portas, outros abrem somente para eventos e ainda há os teimosos que derretem dinheiro como se tivessem numa mesa de jogo à espera que a sorte vire, mas não vira, porque a sorte é só parte da razão do sucesso, uma pequena parte, a maior é o saber, o conhecimento, as capacidades de gestão, tudo características ausentes na maioria dos que se encontram no comando dos melhores espaços noturnos, mas essa é outra história.
 
Assinado: A Gerência.
 
Zé Gouveia
Publicado em Zé Gouveia
quarta, 01 junho 2022 09:06

A certeza da incerteza

Nunca foi tão certo que o incerto é uma evidência para a humanidade!

A economia, a saúde, o emprego, a cultura... Hoje, tudo é o momento presente sem que se conheça o amanhã, por causa, claro, dos acontecimentos dos últimos dois anos.

Em fevereiro de 2020 a pandemia Covid chegou à Europa e em fevereiro de 2022 surge a guerra na Europa, para a qual ninguém sabe prever um fim ou o impacto que terá nas sociedades pelo mundo fora.

A cultura de uma forma geral irá igualmente apresentar novas ideias e formas de expressão? A música englobada na área da cultura tem uma força de comunicação muito importante, como presenciámos na última edição da Eurovisão. Quanto à música consumida como forma de diversão, vai ela também evoluir?

Aproveito esta deixa para puxar para o estilo musical que me é mais próximo, a música eletrónica, que engloba várias influências e géneros: House Music, Techno, Trance, Afro…

Pois bem, aqui a incerteza parece-me ser uma verdadeira certeza, não relativamente à sua existência mas sim à forma como se irá continuar a difundir pelo mundo, o que implica, para quem está diretamente ligado à música eletrónica, uma verdadeira liberdade criativa, que o momento atual exige!

Copiar o que já foi feito não é bom nem nunca foi, porém inspirar-se em algo já feito e fazer melhor é um dos grandes desafios artísticos. Mas criar algo novo... é mesmo só para alguns e esses ficarão para sempre na história da música eletrónica.

Os artistas nas diferentes vertentes da cultura são uma luz de paz e amizade para a sociedade, e eu considero-me realizado por poder partilhar a história e a inspiração de alguns deles, mesmo daqueles que já partiram, como o meu amigo Erick Morillo, para quem nunca houve certezas - "Que continues a ser sempre uma fonte de inspiração, de dedicação, de trabalho e de exigência porque... só talento não chega!".
 
José Manso
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