Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
quarta, 01 junho 2022 09:06

A certeza da incerteza

Nunca foi tão certo que o incerto é uma evidência para a humanidade!

A economia, a saúde, o emprego, a cultura... Hoje, tudo é o momento presente sem que se conheça o amanhã, por causa, claro, dos acontecimentos dos últimos dois anos.

Em fevereiro de 2020 a pandemia Covid chegou à Europa e em fevereiro de 2022 surge a guerra na Europa, para a qual ninguém sabe prever um fim ou o impacto que terá nas sociedades pelo mundo fora.

A cultura de uma forma geral irá igualmente apresentar novas ideias e formas de expressão? A música englobada na área da cultura tem uma força de comunicação muito importante, como presenciámos na última edição da Eurovisão. Quanto à música consumida como forma de diversão, vai ela também evoluir?

Aproveito esta deixa para puxar para o estilo musical que me é mais próximo, a música eletrónica, que engloba várias influências e géneros: House Music, Techno, Trance, Afro…

Pois bem, aqui a incerteza parece-me ser uma verdadeira certeza, não relativamente à sua existência mas sim à forma como se irá continuar a difundir pelo mundo, o que implica, para quem está diretamente ligado à música eletrónica, uma verdadeira liberdade criativa, que o momento atual exige!

Copiar o que já foi feito não é bom nem nunca foi, porém inspirar-se em algo já feito e fazer melhor é um dos grandes desafios artísticos. Mas criar algo novo... é mesmo só para alguns e esses ficarão para sempre na história da música eletrónica.

Os artistas nas diferentes vertentes da cultura são uma luz de paz e amizade para a sociedade, e eu considero-me realizado por poder partilhar a história e a inspiração de alguns deles, mesmo daqueles que já partiram, como o meu amigo Erick Morillo, para quem nunca houve certezas - "Que continues a ser sempre uma fonte de inspiração, de dedicação, de trabalho e de exigência porque... só talento não chega!".
 
José Manso
Publicado em José Manso
quarta, 05 abril 2017 19:07

DJing no feminino

Sendo esta a minha primeira crónica para a 100% DJ, não podia deixar de abordar o tema que mais me é questionado e, na realidade, sei que muitos querem ver a minha opinião exposta de uma forma mais coerente e concreta:
ser DJ no feminino.
 
É certo que as mulheres no mundo do djing são uma minoria se formos a comparar com o género masculino. É um facto e os números falam por si comprovando isso mesmo. Mas o porquê desta realidade? Na minha opinião e sendo eu uma DJ “feminina” passo a expor o meu ponto de vista e experiência.
 
Para uma mulher, pode eventualmente ser mais fácil ganhar notoriedade, na maioria das vezes devido à aparência, mas assim também como por outros motivos, o grande problema surge quando se pretende manter uma carreira sólida e duradoura com respeito no mercado.
 
Sempre achei que neste campo uma mulher tem que trabalhar o dobro para alcançar metade do reconhecimento de um artista masculino. Posso dizer que senti isso no início da minha carreira e ainda hoje sinto. Contudo, sinto-me também otimista com a progressão deste assunto e acho que as coisas estão a mudar de uma forma mais positiva. 
 
O número feminino a fazer parte dos ‘headlines’ de grandes eventos aumenta a cada dia que passa, coisa que não se via com tanta frequência na altura que comecei, há praticamente 18 anos. Nessa altura desde o meu primeiro gig notei que de facto tinha algo a meu favor mas também tinha muito trabalho pela frente para mostrar precisamente que tinha vindo para ficar, assim como essencialmente levava a música a sério e essa era a minha verdadeira paixão e razão de estar atrás de uma cabine.
 
Quem me conhece sabe que não era nem sou muito de ligar demasiado às aparências. Umas sapatilhas, calças de ganga, uma t-shirt, as minhas malas e estou pronta para a fazer a festa! Contudo, assim como no masculino tem que haver uma atenção extra quando subimos a um palco, obviamente.
 
O meu trajeto começou por trabalhar numa loja de discos (Bimotor), onde todo o contacto que tive com a música que chegava diariamente ajudou a refinar a qualidade das minhas atuações assim como a criar um grande background de conhecimento na cultura eletrónica.
 
Durante os primeiros anos percorri Portugal de norte a sul, altura em que apenas tocava vinyl. Tive o privilégio de conhecer pessoas fantásticas que acreditaram no meu talento, apostaram em mim e contribuíram para o sucesso que posso dignamente afirmar que tenho. Gravei várias compilações, percorri imensas cidades pelo mundo inteiro onde obtive força e inspiração para tudo o que fui construíndo posteriormente até aos dias de hoje, onde orgulhosamente vejo alguns dos meus ‘sonhos’ se realizarem como é o caso de ter a minha própria editora, Digital Waves.
 
Contudo, tenho consciência que é um compromisso árduo e longo mas que vai no caminho certo e nos dias de hoje passa essencialmente pela continuação do trabalho de estúdio que tenho vindo a desenvolver.
 
Resumidamente, no meu caso em concreto e por isso falo da minha experiência e percurso, posso-me honrar de ter colegas de profissão que dizem: “a Sheila joga no campeonato dos homens.”. Aqui sem dúvida que ainda presenciamos uma diferenciação que todos sabemos que existe, e não podemos negar, mas assim sendo e até esta questão ser extinta, pois defendo que a música não tem sexo, só posso admitir que me sinto satisfeita e orgulhosa pelo facto de reconhecerem e respeitarem o meu trabalho
 
Miss Sheila
DJ
www.facebook.com/djmisssheilapt
Publicado em Miss Sheila
quarta, 08 outubro 2014 22:28

Teremos sempre Paris

Parece que já lá vai, sem ter chegado verdadeiramente.
Foi um verão atípico que aqueceu pelos motivos menos evidentes e que teve como acendalha uma loira fleumática.
 
É curioso porque recordo, nítida e claramente, de ouvir o Bernardo Macambira falar nisto: "devíamos era trazer a Paris Hilton a Portugal!"
Na altura, a sex tape da loiríssima herdeira do império Hilton era mais importante que qualquer #bendgate. Brejeirice à parte.
 
Por outro lado, no éter e no clubbing vivíamos uma gloriosa época de bons beats e criatividade. As "presenças na noite" eram coisa de um género de Verão interior feito de decotes e de saias muito curtas.
 

Do outro lado da barricada, com a mesma irada tinta, imprimem-se notas para pagar um cachet que se acredita milionário.

 
Devem ter passado muitas estações, muitas modas que nunca foram compridas, até esta em que acordamos com o anúncio da presença de Paris Hilton em Portugal enquanto DJ. 
 
Correm rios de tinta: as redes sociais espumam-se em opiniões várias. Do outro lado da barricada, com a mesma irada tinta, imprimem-se notas para pagar um cachet que se acredita milionário.
 
Imagino o Macambira a rir. Dou por mim a pensar o quão legítima é esta transformação.
 
Conforme os DJs evoluíram para prestações nas quais se evidenciam enquanto verdadeiros entretainers, as "presenças" também tiveram de se reinventar para continuar a ter trabalho. 
 
Já sei: "A Paris Hilton não precisa". Pois, pois não: mas precisa de olear a máquina da fama que faz com que não precise. Presença habitual nos melhores clubs do mundo, Paris a Empreendedora conseguiu encontrar a forma certa de continuar a fazer dinheiro. Se é DJ, se é de esperar um set inovador, surpreendente?
 
Mas é por isso que alguém "vai ver" a Paris Hilton? A expressão está lá: "ver", que ouvir é outra coisa.
 
Afinal, ainda que separadas por um oceano de dinheiro, não há todo um segmento no mercado nacional que está na cabine para - essencialmente - ser visto?
 
Teremos sempre Paris. A dar o mote.
 
Até porque música é amor, mesmo em tempo de guerra digital.

 

Publicado em Mariana Couto
segunda, 17 março 2014 14:19

Projeção além-fronteiras

Na minha primeira coluna para a 100% DEEJAY, vou falar sobre o "vá para fora cá dentro", (não, não é uma crónica turística, dos top restaurantes e hotéis) mas sim sobre a projeção que os produtores e DJs portugueses alcançaram além-mar.
 
A música é uma parte importante da nossa estrutura, não só enquanto pessoas, mas também enquanto sociedade. Quantos de nós não associam momentos importantes a uma música específica? Quantos de nós, não esboçamos sorrisos quando ouvimos a nossa música preferida? Quantos de nós se recordam de revoluções e marcos importantes na nossa história através da música? 
 
A música sempre esteve e estará presente. As pessoas gostam e procuram-na. O desenvolvimento de aplicações cibernéticas, permitiram o boom musical além-fronteiras. Hoje em dia, é possível um produtor dar a conhecer o seu trabalho a qualquer parte do mundo. Basta um click, uma partilha, uma página nas redes sociais. Quantos nomes de referência atuais não começaram a sua carreira por colocar um vídeo no Youtube? Quantos deles não se renderam ao imenso poder da web? Não há veiculo mais rápido. 
 
Óbvio que o boom musical, permite o aparecimento de um maior número de nomes, e de um boom de ditos "DJs". A propósito disto, costumo brincar, e quantos de nós não temos um DJ ou um produtor no nosso círculo de amigos? Eles estão aí e vieram para ficar. Procuram vingar no mundo da música, deter um nome mundial e mexer com as emoções do público. Os cursos de DJ e Produtor proliferam e têm cada vez mais alunos. Todos querem aprender. Todos querem ser os melhores.
 
Se há 15 anos atrás, (tinha eu 20 anos), nomes como DJ Vibe, Carlos Manaça, Frank Maurel, Jiggy, eram a referência na dance scene portuguesa, e o que eu pagava para ver; hoje em dia na nova geração onde me incluo, temos Pete Tha Zouk, Diego Miranda, Kura, Christian F, Mastiksoul, Tom Enzy, Rui Santoro, MassiveDrum, Karetus, entre outros - a fazer furor nas pistas de dança. Uma mudança de paradigma? Também. O comercial ou EDM tem vindo a passos largos a marcar posição nos maiores e melhores clubes nacionais. Impulsionado pelas rádios e pelos programas televisivos da temática da noite, veio para ficar. Sobre isso já não existem dúvidas. 
 

É uma sensação indescritível ouvir as pessoas lá fora a cantar as nossas músicas.

É frequente no Brasil, Angola, Moçambique e Suíça, serem publicitadas festas com nomes nacionais. O fenómeno que carinhosamente apelido, do "Vá para fora cá dentro". Sempre ouvi dizer, o que é nacional é bom. E subscrevo! Faz-se boa música em Portugal, faz-se música que as pessoas gostam de ouvir, não só aqui, como noutros países. É uma sensação indescritível ouvir as pessoas lá fora a cantar as NOSSAS músicas... em jeito de brincadeira, dá dez a zero às batatas-fritas do McDonalds em dia de ressaca.
 
O trabalho dos DJs Pete tha Zouk e Diego Miranda em terras das águas de coco, veio abrir todo um mercado para os DJs em crescimento. Se pensarmos que Portugal tem aproximadamente 10 milhões de habitantes e só São Paulo tem o dobro, estamos a falar numa potência enorme em termos de público. Há muita gente a quem fazer chegar o nosso trabalho. 
Agora sonha-se não só com tocar nas casas de referência a nível nacional, como também poder tocar em São Paulo, Rio de Janeiro, Luanda... and so on... o mundo tem os braços abertos para os DJs. Aqui e em todo o lado! 
 
É cada vez mais normal, estarmos de férias no estrangeiro e termos um DJ português a tocar num club ou evento local. O bom trabalho é reconhecido pelas pessoas e são elas que fazem crescer um DJ. As tours no Brasil, África e Europa, começam a ser uma constante na agenda dos profissionais do DJing. 
 
Acredito que com o passar do tempo, cada vez mais nomes portugueses irão figurar nos melhores cartazes mundiais. Há muitos nomes com valor e a fazer um FANTÁSTICO trabalho. Com esforço, dedicação, empenho e muito sacrifício tudo é possível. E nós, portugueses, sempre fomos conhecidos por sermos um povo lutador.  
 
Não só no estrangeiro, mas também cá dentro a aposta nos nomes nacionais tem vindo a crescer. Num mercado onde a oferta é vasta, a procura também o é. Se Portugal tivesse uma industria noturna tão bem oleada como a Holanda, não teríamos só o melhor jogador do mundo em Portugal. Provavelmente teríamos também o melhor DJ. O Pete Tha Zouk na posição 37, foi o português que mais se aproximou desse feito. 
 
Os clubes publicitam os nomes nacionais e têm casa cheia. Faz-se um bom trabalho em Portugal, e é-se reconhecido. Cativa-se o público e eles chamam por mais. Na prática, tudo se resume a uma conjugação de interesses: As pessoas procuram a música e a música encontra-as, numa simbiose perfeita.

 

Publicado em Eddie Ferrer
quarta, 03 julho 2013 21:18

Summer Sessions

 
Uma crónica de Verão tem sempre muito que se lhe diga. E tem, principalmente, porque como a "Silly Season" costuma ser a patetice pegada em quase todas as áreas, escrever coisas sérias parece-me também pretensioso...
 
Sublinho o quase, porque se houver, no entanto, a viabilidade de algum motivo sério de conversa... talvez essa seja a da área da Música. Sim, é a época áurea do rodopio de internacionais, cá a poisar na terrinha. E cada canto vai ter um. Ou mais.
 
Festivais "à séria", festas "da terrinha" e populares, discotecas da moda e "disco-nights" da aldeia... tudo vai ter os seus Steve Angelos, David Guettas e Axwells da vida , os seus Allessos e Hardweels, Sashas milionários e com quase pornográficos cachets.
 
Eles vão a todas. Desde a grandes certames de qualidade, com outros grandes nomes comerciais lado a lado no cartaz, como se "sujeitam" a locais estranhos em que o dono é um qualquer novo rico  do local que decide "fazer mexer" a terriola e desembolsa 50 mil euros para um destes monstros da house music tocar a seguir ao residente Huguinho, Zézinho ou Luisinho.
 
Por isso é que o meu amor pela música eletrónica se mantém fiel a alguns dos que considero "estrelas" à séria, não porque exigem 100 mil euros por set, mas porque mantém a coerência e o cuidado quanto aos eventos em que se envolvem.
 
Ritchie Hawtin, Plasticman, Marco Carola, Dubfire, Steve Lawler, Loco Dice... são alguns aos quais, sim, tiro o chapéu. Tocam no que considero os melhores Clubes. E há uma real diferença entre Discoteca e Club. As primeiras são para massas, os segundos para amantes de música. E para estes estes senhores não há cá "pão para malucos"... tocam e tocam bem, não há cá buzinadas e loops de 2 minutos. Eles continuam a encantar e são elitistas nos sítios que escolhem para trabalhar e por isso... os sítios também fazem "nome" ligado a eles.
 
A bola de neve é esta: um DJ e um estilo, fazem a onda do espaço e o espaço onde toca, vai criando pouco a pouco a verdadeira credibilidade do DJ.
 
Os nomes que falei também são grandes e não podem sequer ser considerados "alternativos", mas basta não serem "vendidos" e manterem a sua linha musical para os aplaudir de pé. Não vivem do hit do momento, mas sim da carreira consolidada, não arrastam os miúdos de 18 anos mas o público da minha geração, dos 30, os que cresceram com o puro house e com o tecno apurado. Para mim, a base de tudo o resto.
 
As festas, nesta altura multiplicam-se. Mesmo!! Cada beco tem a sua e parece que o dinheiro cresce, num tempo de crise anunciada, vivida e choramingada  por quase todos - mesmo na noite, onde tantas casas têm fechado portas - para competir com o "vizinho" do lado que trouxe o DJ X ou Y. Por vezes, batalhas ganhas, por vezes perdidas. E a quantos lamentos de produtores, já assisti, quando ao investirem largos milhares "certos de retorno", se tornam menos certos e perdem outras tantas milenas, que inviabilizam os Verões e Invernos seguintes.
 

É Verão, "Silly Season" e a melhor altura de trabalho, com mais mercado para os DJs, com mais público na rua, com mais dinheiro para gastar.

 
Quero chegar ao seguinte: DJ de renome já foi dinheiro certo em caixa, já lá vão os tempos em que se gastava 100 mil para ganhar 300... Mas nessa altura, haviam 4 ou 5 festivais, não 50. Mas nessa altura os DJs conceituados eram 10 no mundo e não 100. Mas os cachets a que chamávamos milionários eram de 10 mil euros e não 100 mil. As apostas hoje em dia já não são tão certeiras, há quem se ria e há quem chore. E depois ainda há os "sets de merda" a que nos submetem por ser o que o povinho que enche as casas quer ouvir…
 
Uff... Volto à carga. É Verão, "silly season" e a melhor altura de trabalho, com mais mercado para os DJs, com mais público na rua, com mais dinheiro para gastar. Mas é também, cada vez mais, nos tempos que correm, altura mais do que obrigatória para fazer triagem. Não ir a "todas" (nem como DJ e muito menos como público) e, a não ser que se vá para "ver as gajas"..., escolher a vibe e a qualidade musical que se procura e aí sim... seguir a "Yelow Brick Road" até... ao bom festival mais próximo!
 
Neo Pop, Refresh e numa onda mais comercial - Azurara... Para mim são os eleitos. Não que seja lei, mas é a minha opinião até porque o Verão é feito de brisas e por aí vão sempre existir os momentos que elegemos como nossos e marcantes, as memórias que farão parte da nossa vida e claro, sempre com a banda sonora perfeita, a que se adequou à hora certa, e com a batida que tinha que ser. 
 
A procura é nossa, a escolha também, a coerência faz parte dessa escolha. E quem ama a Club Scene, sabe do que falo, não sabe?
 
Bom Verão e encontramo-nos por aí? Nas boas e quem sabe, até nas medíocres festas! 
 
Como DJ, RP e Music Blogger... no fundo, terei que "papar" com o bom e com o mau, para poder falar com conhecimento de causa e claro... ganhar o meu. :)
 
Certo?
 
 
Rita Mendes
Publicado em Rita Mendes
 
Não me identifico com a grande maioria da música produzida por David Guetta, sobretudo porque desprezo o caráter industrial que as suas produções assumiram. São músicas produzidas em série, num estúdio que mais parece uma fábrica "fordista", que visam apenas conservar, a todo o custo, a sua notoriedade, numa indústria cada vez mais efémera e em que a música assume um relevo cada vez menor, sendo apenas uma das muitas variáveis em jogo. Há muitos anos que a música vazia de David Guetta, pura e simplesmente, não me toca.
 
Dito isto, e pondo os gostos de parte, fico sempre incrédulo quando vejo os inúmeros boatos que sobre ele circulam na Internet. O último li-o no Wunderground, um portal irlandês dedicado à arte e música underground, carregado de mexericos e artigos falsos que apenas servem para ridicularizar alguns artistas e capitalizar leitores rancorosos - para os mais incautos, foi deste mesmo portal que saiu a notícia, também falsa, de que Axwell se iria retirar da indústria musical.
 
Estes artigos teriam piada se os leitores percebessem claramente de que se trata de escrita humorística - como acontece, por exemplo, com o Inimigo Público. O problema é que, ao incluir a informação verdadeira e falsa no mesmo saco, o Wunderground gera a confusão e induz os leitores em erro. Para além de o artigo ser uma sátira evidente, repleto de episódios inverosímeis e caricaturais, faz uma alusão a um post no Twitter de Guetta que nunca existiu.
 
Mas o que mais me espantou nesta história, e que acabou por ser a principal razão por que se multiplicaram os sites que mencionaram o assunto, foi o facto de Frankie Knuckles e David Morales, pioneiros do House e referências incontornáveis dos primeiros produtores de música eletrónica portuguesa - entre os quais eu me incluo -, terem contribuído para amplificar o equívoco, ao comentarem, no site da rádio online americana Coco.fm, um artigo falso como se fosse verdadeiro. Aquilo que não passava de um artigo satírico passou a ser visto como notícia.
 
Conclusão: passadas algumas horas, dezenas de sites referiam a polémica e milhares de pessoas em todo o mundo prontificavam-se a crucificar Guetta, com comentários que exalavam ódio e ressentimento. Porquê? Sobretudo, porque, influenciados por uma campanha na Web que visa ridicularizá-lo, não gostam da música que ele passa e produz. Não querendo fazer de advogado do diabo, posso dizer que já o vi a pôr música antes de ele ter atingido o estatuto que hoje tem e, apesar de não ser a minha praia musical, até o achei eficaz e competente. Alguns colegas meus dizem o mesmo. Para mim, a qualidade de um DJ não é medida pelo estilo de música que ele toca.
 

Às vezes, sinto-me numa cena em que estamos todos à espera da machadada final, uma espécie de "Dance Music Sucks" (...)

Não gostar de David Guetta, é uma coisa; enxovalhá-lo e linchá-lo publicamente, utilizando o boato como modus operandi, é outra muito diferente. Os fins não justificam os meios. No final do dia, é toda a música de dança que perde, que fica cada vez mais dividida e, por isso mesmo, enfraquecida. Às vezes, sinto-me numa cena em que estamos todos à espera da machadada final, uma espécie de "Dance Music Sucks", num remake do conhecido episódio protagonizado por Steve Dahl que simbolizou o fim da era Disco.
 
Para além de ter tornado patente a crispação e a divisão que hoje existem entre duas diferentes correntes de música de dança, uma mais underground e outra mais mainstream, este episódio serve para nos relembrar de que é necessário sermos especialmente prudentes quando lemos online. Se nem tudo o que aparece em revistas e jornais é verdadeiro, imagine-se na Internet, que não passa pelo crivo jornalístico ou de gente preparada para rever o material publicado.
 
"Como disse o antigo primeiro-ministro britânico James Callaghan, 'uma mentira pode dar a volta ao mundo antes de a verdade conseguir calçar as botas'. Nunca tal foi tão verdade quanto com a acelerada, destravada e desgarrada cultura da blogosfera da atualidade"1.
 
1Andrew Keen, O Culto do Amadorismo
 
Alex Santos
Publicado em Alex Santos
segunda, 19 março 2018 19:36

O que fiz para estar onde estou

A música é o que nos faz ser DJs? 

Todos sabemos que hoje a indústria da música eletrónica atravessa um período de mudança - o que é bom para uns e maus para outros. Em todas as formas de arte há tendências, o público segue-as e dependemos do público para "vingar" neste ramo. A música tem um período de consumo muito mais rápido se comparado a anos passados. Não me quero alongar nesta questão, mas há forma de contornar isso? 

A minha carreira de DJ/Produtor começou há 6 anos atrás. Nunca imaginei poder trabalhar com grandes artistas, nem lançar em grandes editoras como Lokosound ou Revealed. Para mim era sem dúvida algo muito distante, sobretudo olhando para o estado do mercado: muito saturado de demasiada informação desnecessária e com escassez de música. Será que se perdeu o que realmente me fez passar horas agarrado ao computador? 

Já tive muitos fracassos, e já ouvi muitos “nãos” e ainda acontece - porque acontece a todos - mas as “derrotas musicais” não se superam com uma foto no Instagram, nem tão pouco com likes. De certo que sobe a auto-estima e que alivia o processo de focagem noutro passo. 

Estou a dar a minha opinião, não quero discordar de ninguém que diz o contrário. Claro que todos nós sabemos que as redes sociais têm um peso enorme na carreira de um artista e que hoje talvez até tenham mais peso do que a própria música. Isso não significa que precisamos de deixar de ser produtores para ser modelos - a música, como já disse, é e sempre será o mais importante. 

"Não digo que as redes sociais devem ser postas de parte, porque eu mesmo não as ponho (precisamos delas para promover o nosso trabalho e dar-nos a conhecer ao público), estou a dizer que a maneira mais fácil de não sermos postos de parte é não por de parte a música." 

 

É importante ter um Manager/Agente? Ou será mais importante ter uma equipa?

Uma das lições mais importantes que aprendi ao longo destes anos em que sigo no ramo da música, é a que temos de ser nós a “bater com a cabeça” para ver o que está mal e com quem não devemos trabalhar. 

Eu trabalhei desde sempre com o Miguel. O Miguel não é agente, nem manager, não tem formação na área: trabalha em restauração. Mas a vantagem de trabalhar com o Miguel é que ele me conhece: as fraquezas, as forças, os dias bons e maus. E o mais importante é que ele acredita tanto no "ZINKO" como eu. Por isso acredito solenemente que a formação de uma equipa forte, com base na credibilidade do projecto e na confiança mútua é um ponto-chave para tudo funcionar.

Hoje em dia sou agenciado, sim, e tenho alguém "do outro lado". Tratamo-nos como equipa, delineamos estratégias e caminhos para chegar onde queremos. Mesmo que não consigamos, amanhã tentamos novamente. 

Quem quer que escolham para a vossa equipa nunca tratem a pessoa como alguém que está a trabalhar para vocês, mas sim que está a trabalhar convosco. A importância de ter um manager ou agente passa a não ter nexo se não se tratarem como equipa. "Nenhum treinador consegue ganhar campeonatos sem jogadores", é uma mensagem simples, mas que para mim faz toda a diferença. Eu sei quem não estaria onde estou agora, talvez até mesmo a escrever um texto de opinião, se não tivesse uma equipa a trabalhar comigo. 


Enviar Promos

A parte mais importante do artista passa obviamente pela música. Podemos cada vez mais potenciar a mesma e fazê-la chegar aos ouvidos de quem queremos. O envio de promos é algo muito importante no momento em que temos uma "nova música", mas é importante termos um método adequado e prático para o fazer.
 
Alguns pontos que tenho notado quando recebo as promos no meu e-mail.
 
1 - Apresentação 
Acho que ninguém gosta de ser abordado sem uma apresentação do que vai ouvir antes - nome, idade, país, breve descrição -, mas não é preciso alongar ao ponto de escrever uma biografia inteira. Artistas como Hardwell, Afrojack, ou Martin Garrix não estão minimamente interessados se vocês têm uma casa à beira-mar, ou se o vosso cão se chama "Rex". Uma breve descrição e o link da música chega perfeitamente. 

2 - Links
Nenhum artista dos que falei há pouco vai fazer download do vosso ficheiro, por isso acho que o mais prático será enviar um link privado de Soundcloud com download activo, ou link de Dropbox. A falta de pré-escuta é um ponto crucial para a música não ser ouvida. Passados 5 ou 6 emails com anexo, o que enviarem será considerado spam,  perdendo-se boas oportunidades de serem ouvidos, porque a vossa música podia estar boa.

3 - Música
Têm de estar certos de que o que estão a enviar é o melhor que conseguem. Nunca sabemos se o artista a quem enviamos a promo vai ouvir ou não. Por isso é óbvio que um ponto que todos devem considerar é que músicas inacabadas, sem mix/master, entre outros problemas, provavelmente não vão ter feedback ou se tiverem não vai ser o que gostariam de ouvir. Isso faz com que nós fiquemos desmotivados.

Processo Criativo / Mixing e Mastering
Neste tópico certamente não há muito para dizer, pois cada um tem o seu formato de trabalho e as suas manias. Não vou falar de nada que quem faz música não saiba, contudo acho importante referir alguns pontos. Não são precisas colunas topo de gama para fazer música. Não é preciso um estúdio de milhares de euros, não é preciso um teclado midi super atual e cheio de controladores, pois a maior parte das minhas músicas foram feitas de fones, teclado do computador sentado na mesa da minha cozinha. 

É tudo uma questão de conforto. Ter um espaço organizado é o ponto, não tem de ser o espaço nem a altura, acho que naquele momento tem de se estar completamente focado no que se está a fazer - esse é o truque -, obviamente que um bom computador e um bom equipamento ajuda, mas não é o mais importante. O mais importante é sim conseguir passar a ideia da cabeça para o software. 

A música não tem tempo para se fazer, eu tenho músicas com dois anos que sofreram alterações durante esse espaço de tempo até ter o produto final com que me sinto satisfeito. A minha faixa “Footprint” em colaboração com o “Tong Apollo” saiu em novembro de 2017, a ideia da música ficou pronta ainda em 2016. Mudámos tudo, 4 drops diferentes até chegarmos ao resultado final. Já a “Guaraná” demorou três dias a ser feita e consegui assiná-la numa das maiores editoras do mundo. O que importa na realidade é a ideia. Claro que uma ideia bem executada só tem a ganhar. 

Tentar fazer algo diferente não é nada fácil, eu sei disso, sei que fazer algo num estilo muito ouvido - Big Room, por exemplo - mas que não soe genérico é complicado. As labels procuram cada vez mais ideias novas, para criar tendências, algo novo, que não se ouve no mercado. É isto que chama a atenção dos A&R´s, a meu ver é tudo uma questão de ideias e alguma sorte. 

Depois existe a segunda parte, talvez das coisas mais importantes, pode parecer que não faz diferença, mas faz: o Mix/Master é algo que vai finalizar a música. Por vezes sem darmos conta é o que falta, aquele pormenor que não sabemos o que é.  Eu pago esse serviço: https://wiredmasters.co.uk/. Não sou profissional da área, ainda estou a aprender e a pouco e pouco é algo que se vai encaixando no ouvido, pois também tem a ver com o gosto de cada um. 

Sei que é um entrave para muita gente, porque são preços que não são acessíveis a todos, e por isso é aconselhável que o investimento seja numa música que valha a pena, porque como disse há pouco faz toda a diferença.

Gostava mesmo muito que este texto ajudasse a malta, isto é só a minha opinião. Não fiz nem mais nem menos que outros artistas, eu trabalho assim e estou a partilhar alguns dos meus métodos com vocês. Todos os erros de que falei acima eu já os cometi. Não me arrependo de forma alguma, serviram para aprender e a acreditar cada vez mais na minha música. Todos os dias trabalho nisto porque acredito. Espero que vocês partilhem este pensamento. Assim será muito mais fácil que nós, amantes de música, tenhamos um maior sucesso e que levemos o nosso país fantástico além-fronteiras pelo que mais gostamos de fazer.
 
Zinko
Publicado em Zinko
terça, 16 abril 2019 19:39

DJs vs Produtores Musicais

A indústria da música é um mistério para todos os que estão de fora. As portas para entrar são muitas, mas pouco nítidas. Existem vários caminhos a percorrer, mas estão todos intercalados. 

Na música eletrónica um dos primeiros dilemas é por onde começar. Vou ser DJ ou vou ser Produtor Musical? Queremos ser os dois, mas será que essa é a solução para todos?

Um DJ não tem de ser um Produtor e vice-versa, cada um tem um papel dentro da indústria e o caminho a percorrer está diretamente relacionado com o objectivo de cada um.

O DJ é um entertainer, um intérprete das músicas que toca. Os seus talentos passam pela selecção da música, pela presença de palco e pela capacidade de ler a multidão que tem à sua frente. O seu grande desafio é pôr até a pessoa mais tímida, no fundo da plateia, a dançar. Não é um trabalho fácil. Cada espectáculo exige preparação, capacidade de interpretação e uma energia equivalente àquela recebida pelas dezenas, centenas ou milhares de pessoas que têm à frente.

O produtor não precisa de ser um entertainer. O processo de criação de áudio requer outro tipo de competências. É um processo igualmente criativo, mas mais longo e mais solitário. Precisa de existir uma capacidade de apreciar e absorver vários estilos de música e, mesmo assim, criar algo completamente diferente. 

Embora seja comum no meio associar imediatamente o DJing e a Produção Musical à música eletrónica, ambos os profissionais têm um leque de competências que vão muito além deste universo. Um apaixonado pela música eletrónica tem dúvidas por onde começar, porque as vê como complementos, imagina-se como um DJ de festas e festivais que pretende produzir as próprias músicas. 

No entanto, num contexto de formação, é importante que no início do seu percurso sejam guiados, mostrando-lhes as diversas carreiras que podem percorrer, e que cada caminho é infinitamente mais abrangente do que o preconceito inicial. Como em qualquer área de formação e desenvolvimento, é necessário entender que o futuro é incerto e que uma formação sólida numa dada área pode resultar numa carreira promissora por caminhos não previstos. É nestes caminhos alternativos que as duas áreas se separam e cada um deve analisar qual a opção que reúne competências que o possam levar a trajetos profissionais mais promissores e nos quais se sentirá mais realizado.

Ainda que um DJ possa estar mais associado à música eletrónica, a festas, clubes ou festivais, e que esse seja o grande sonho de um jovem aluno, o futuro pode reservar-lhe a uma carreira de sucesso na rádio, relegando as festas para complemento esporádico ou apenas hobby. Neste caso, as competências de Produção Musical serão pouco mais do que um saber que não ocupa lugar ou mais uma ocupação de tempos livres.
 
Por outro lado, um produtor musical, poderá escolher ao longo do seu percurso dedicar-se à produção de música para outros, sejam eles DJs ou bandas, etc. O conhecimento técnico e criatividade de um produtor musical pode levá-lo até carreiras ainda mais distantes da sua ideia inicial, fazendo carreira na televisão, cinema, rádio ou até no desenvolvimento de músicas para a indústria dos videojogos. Tudo o que precisa de acompanhamento de música precisa das competências de um produtor musical. 
 
Se já andas com o "bichinho" da música, seja eletrónica ou não, começa por pensar em que contexto é que gostarias de te inserir. Alarga o leque de opções e entende que decisão te pode abrir mais portas com que te identifiques. Esse primeiro passo vai-te ajudar a aproveitar ao máximo o tempo de aprendizagem. 

Se o teu objectivo é entreter uma multidão, então vais querer ser DJ.
Se gostavas de fazer a banda sonora de um filme, vais querer ser produtor musical. 
Se gostavas de fazer criar efeitos sonoros para um jogo de playstation, vais querer ser produtor.
Se gostavas de passar música na rádio, então, se calhar, queres mesmo ser DJ.
E os exemplos continuam.

A verdade é que não estás limitado a um ou outro, podes ser os dois, podes não querer perder a oportunidade de tocar o teu próprio som. As opções são infinitas e nós não podemos escolher por ti. Esperemos que isto tenha ajudado, pelo menos a definir prioridades e a alinhar objectivos.
 
AIMEC
Academia Internacional de Música Eletrónica
Publicado em AIMEC
sábado, 14 abril 2018 22:47

O DJ e a (in)capacidade de integração

Muitas vezes me perguntam a opinião acerca do actual estado da noite e do mercado de trabalho para os DJs nacionais. Apesar desta ser uma temática bastante complexa, basta recuarmos uma dezena de anos para facilmente conseguirmos encontrar um paralelismo que de certa forma ajuda a responder a esta pergunta. Será fácil para mim e todos os meus colegas conseguirmos nomear pelo menos quinze ou vinte clubes dessa altura que geriam as suas programações baseadas não nas exigências musicais acentuada dos seus clientes mas sim numa política de gestão daquilo que eles próprios consideravam importante para oferecer uma real e sustentada personalidade e identidade para as suas casas. Era relativamente usual vermos todos os fins de semana vários artistas nacionais a viajarem de Norte a Sul do país, criando desta forma uma dinâmica de indústria que acabava por ser benéfica para uma classe que paulatinamente ia criando os alicerces imprescindíveis para conseguir atingir um nível de profissionalismo condizente com as exigências de um mercado em pleno crescimento.
 
O problema, na minha opinião, surgiu quando as regras mudaram de um momento para o outro. O nosso país entrou em crise, trazendo com isso sérias consequências aos mais variados sectores da nossa sociedade, incluindo, como é óbvio, as artes. As rádios abriram o filtro numa tentativa de conseguir cativar cada vez mais ouvintes e a televisão não demorou a fazer o mesmo, já para não falarmos do facto de que a maioria da população portuguesa passou a dispor de Internet de uma forma praticamente livre, o que a tornou uma ferramenta magnífica que dava a todos a possibilidade de se educarem a eles próprios, neste caso específico musicalmente. Esta opção soa, por si própria bastante interessante, termos a possibilidade de ouvir o que muito bem entendermos não só é um feito amplamente merecido mas também uma grande vitória na livre expressão de um povo, nomeadamente na procura de informação, especialmente nós, que não à tanto tempo assim saímos de um ditadura que nos impedia inclusivamente de estar em contacto com novas formas de expressão artística. 

(…) tornou-se automaticamente muito mais difícil gerir e programar um espaço de dentro para fora, uma vez que as pessoas passaram a querer ouvir nas pistas de dança o que ouviam no carro ou em casa.

 
Mas com todas estas boas notícias surgiram também algumas menos positivas. Devido ao facto de muito rapidamente nos termos apercebido de que, comercialmente falando, cada pessoa acaba por ter a sua própria maneira de apreciar a música, tornou-se automaticamente muito mais difícil gerir e programar um espaço de dentro para fora, uma vez que as pessoas passaram a querer ouvir nas pistas de dança o que ouviam no carro ou em casa. Com isso rapidamente a personalidade e identidade de um clube passou para segundo plano, fazendo com que os empresários deixassem de se poder dar ao luxo de pensar a médio longo prazo, tendo que começar a repensar todas as decisões comerciais dos seus espaços, incluindo a parte da programação musical, que passariam a ter nas suas cabines. De um momento para o outro, o DJ nacional que não fosse musicalmente "acessível" ao que a partir daquela altura os responsáveis dos espaços necessitavam, acabaram por lentamente começar a ser postos de lado, muito por culpa dos cachets que a partir dessa altura começaram a ser considerados altos e não justificados devido ao facto do estilo de determinado artista não se enquadrar com a política musical adoptada por determinado espaço. 

O que importava era o lucro fácil e rápido,  tanto por uma questão concorrencial como principalmente para se conseguir fazer frente a compromissos financeiros, algo absolutamente compreensível para quem, como eu próprio, também tem negócios na Indústria da noite além da música, mas que facilmente retira consistência e preponderância para algumas das características principais que um espaço que oferece um serviço de diversão nocturna deveria proporcionar aos seus clientes, a diferença, qualidade e identidade em que tanto me foco nesta crónica e que como é evidente também se reflecte no tipo de consumos que uma clientela de circunstância oferece, afinal um risco que se corre quando se quer encher uma casa a qualquer custo. Consequência natural de todas estas mudanças foi o facto de ano após ano vermos clubes que ainda tentavam seguir a política do "elitismo", como então lhe passaram a chamar, a fecharem portas, incapazes de contrapor uma política de qualidade com o facilitismo auditivo com que os grandes grupos cada vez mais acenavam. Começou-se então a culpar o DJ nacional pela sua "incapacidade de integração" no circuito e voltámos por exemplo a apostar nos grandes nomes internacionais, o que longe de ser mau em muitos casos, camufla um problema muito grande, que é o facto de que o que é nosso ter cada vez menos espaço para trabalhar, pelo menos por valores equitativos com o seu valor, até porque não nos podemos esquecer de que não são só os artistas internacionais que vivem exclusivamente da música.

Posto isto chegamos ao estado do nosso mercado actual, que se resume a quatro opções quando se pensa no curto prazo: opção um, apostamos em nomes internacionais quando queremos ser "elitistas", porque assim não se chateia ninguém, afinal de contas está na moda e pode passar as músicas que quiser, até porque, opção dois, temos um DJ residente que resolve tudo porque sabe e tem as músicas todas que lhe vierem pedir, faz toda a gente feliz e melhor que tudo, cobra tanto como um funcionário qualquer do clube. Opção três, temos aqueles rapazitos que conhecem toda a gente, até passam música com os cotovelos e em tronco nu se for preciso e trabalham tão bem como o DJ Residente e por último como opção quatro temos aquele artista com 10, 15 ou 20 anos de Carreira, que lutou anos a fio pelo respeito e reconhecimento de uma profissão que no início era tudo menos apaixonante ou cheia de glamour mas que aqui e ali não tem as músicas que toda a gente conhece e certamente não se importará de trabalhar por um cachet simpático (aos olhos dos proprietários dos espaços) para ter o seu nome num alinhamento com um grande nome internacional, afinal já tem tão pouco trabalho que até o estamos a ajudar. É lógico que como resultado final, a vertente identidade e personalidade acaba claramente por ficar comprometida, mas no final o que interessa é que tenhamos fotografias com a casa cheia, os compromissos financeiros resolvidos e dinheiro em caixa, se bem que esperando ao mesmo tempo que ninguém se lembre de abrir um novo espaço por perto, porque não convém, pode-se perder freguesia e isso não interessa a ninguém, especialmente depois desta trabalheira toda que tivemos a preparar tudo como eles gostam.

Que fique bem claro que não pretendo de maneira alguma minimizar o trabalho de alguns excelentes clubes, DJs residentes ou DJs nacionais e internacionais que continuam a estar no nosso circuito de trabalho, muitos deles meus amigos que muito admiro e que valorizam a nossa indústria, esta crónica tem um teor claramente generalista que reflecte, na minha opinião, uma situação geral e nunca individual, estando obviamente centrada única e exclusivamente na temática DJ, uma vez que olho para o tema DJ/Produtor como uma realidade completamente diferente e que será inclusivamente tema para uma futura crónica.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
sexta, 09 outubro 2020 22:01

Está quase tudo diferente

Muitos de vocês não me conhecem. Faço produção de eventos e é no backstage e longe das câmaras que me sinto bem.

Fiz parte da criação de alguns projetos e conceitos inovadores e do relançamento de muitos outros - (Flash, Bloop, Ribatexas, I Love Baile Funk, Revende of the 90’s, para vos dar alguns exemplos). Neste momento abraço o projeto H Collective, empresa detentora de alguns destes conceitos e entrei recentemente num novo desafio chamado "Lorosae", um Restaurante/Bar de praia na Costa da Caparica.

Nesta altura do ano normalmente estaria envolvido em duas ou três rentrées de espaços noturnos em Lisboa, só que não. Deveria estar a preparar o lançamento da nova Tour Revenge of the 90's, só que não. Estou com tempo para escrever este artigo de opinião durante o mês de Setembro.

Estamos cansados de não poder trabalhar, a tentar reinventar negócios e formas de estar. Estamos com saudades. Passaram 6 meses desde que o nosso mercado parou e dançar juntos de copo na mão já parece uma coisa do passado.

No início parou mesmo, mas em meados de Julho quando alguns espaços, depois de algumas readaptações, começaram a conseguir fazer algum tipo de eventos com lugares sentados e o devido distanciamento, apareceu uma luz de esperança e o pensamento imediato foi: "isto a pouco e pouco vai arrancar". 

Alguns arregaçaram as mangas e conseguiram dar a volta para abrir, outros não tinham nos seus espaços forma de contornar as coisas para estarem legais nas novas regras. Em tempos tão difíceis foi engraçado ver as pessoas a adaptarem-se a estar depois de um copo ou dois sentadas no mesmo sitio a dançar, à frente da cadeira, a irem ao bar e prolongar a conversa com o barman para poderem estar de pé mais um bocadinho a abanar o corpo em modo dança reprimida.

Durante esta fase assisti com tristeza a pessoas exteriores aos negócios, e até mesmo concorrentes, com empenho em fazer denúncias e prejudicar de forma dramática a possível e lenta retoma.

O mercado da noite e eventos está difícil, praticamente parado, e é tempo de dar os braços, estar unidos e arregaçar as mangas. A concorrência é muita, e mais agora que as pessoas que saem de casa para eventos são ainda menos, mas quanto mais unido estiver o mercado maior a força junto das entidades competentes para um aceleramento da retoma. 

Os eventos e a noite como nós os conhecíamos vão voltar. Até lá muita força para todos porque quando voltarmos não vamos ter mãos a medir.
 
Miguel Cruz
Empresário/Produtor de Eventos
Publicado em Miguel Cruz
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