Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
quarta, 19 abril 2017 19:19

Portugal, país de oportunidades

Numa altura em que o "mercado dos DJs" atravessa uma nova fase, as oportunidades para os novos artistas são mais que muitas. Acabo de chegar das viagens de finalistas e do Festival do Secundário onde dezenas de DJs tiveram a sua oportunidade de mostrar o seu trabalho. 
 
Muito se fala da falta de apostas em novos talentos mas a realidade é que existe uma crescente oferta no mercado que, a meu ver, é tudo menos benéfica para quem está a dar os primeiros passos. São criadas falsas ilusões que inflamam o ego e criam expectativas erradas nos novos DJs. Actuar para centenas ou milhares de pessoas em início de carreira é o maior erro que alguém pode cometer se não tiver "cabeça" para perceber que ninguém estava presente nesses eventos para os ver/ouvir e onde já existe um público com disposição para ouvir uma determinada sonoridade.
 
A desilusão e a revolta é o que se segue. Muitos destes DJs ficaram a pensar que tudo é fácil, tudo vai acontecer sem esforço e que o telefone ou o mail vão receber contactos. Não podiam estar mais errados. 
 
Em todos os anos que trabalhei com DJs, já tive oportunidade de efectuar marcações para praticamente todos os grandes palcos Nacionais e com artistas diferentes. Todos eles (DJs) tiveram de perceber que não é uma actuação que os vai catapultar e manter no mercado. Assim que uma actuação termina, todos têm de ter a noção que estão "desempregados" até à próxima actuação e que há trabalho para ser feito. Não é por terem actuado no Rock In Rio, Sudoeste, Expofacic, Queima das fitas ou numa viagem de finalistas que a sua carreira está lançada e consolidada. 
 
Quantos DJs e Produtores tiveram "hits" ou tocaram nos melhores palcos e clubes nacionais e de um momento para o outro desapareceram? Basta pensarmos um pouco e encontramos uma "mão cheia" de grandes nomes que "desapareceram" do mercado. 
 
Todas as semanas recebo pedidos de novos DJs a "reclamar" por oportunidades. Todos eles esquecem-se que as oportunidades não surgem com a marcação de uma actuação e que o que estão a pedir só pode partir deles próprios. Cada novo DJ/artista tem de criar e procurar a sua "oportunidade" e ela não está numa actuação num palco ou cabine. 
 
A oportunidade que procuram está na sua capacidade de trabalho, empenho, investimento e perseverança. É o próprio DJ/artista que tem de criar à sua volta um grupo de pessoas que o sigam, que o queiram ouvir e que apreciem o seu trabalho. Quando tiver alguém que pague para o ver/ouvir, garanto que haverá quem o contacte para actuar porque isto é um negócio. 
 
Esqueçam aquelas palavras do "amo o que faço", "ser DJ é uma arte", "a minha musica é boa mas ninguém a houve porque não toca na radio", etc. 
As produtoras, editoras, rádios, TVs, etc. vivem e conseguem manter as portas abertas com dinheiro e não com "amor, arte e boas intenções". 
 
Sim... Portugal é um País de oportunidades mas não há quem trabalhe de borla. A indústria musical e do entretenimento precisa de novos talentos e "sangue novo". Ninguém está disposto a investir tempo e dinheiro em alguém que ainda não provou que esse investimento vai dar retorno. 
 
A "oportunidade" tem de ser criada. Não é com uma agência/agente ou investidor que essa oportunidade vai surgir. Tem de partir do DJ/artista e não basta ter qualidade (ou achar que tem). É preciso investimento de tempo, dinheiro, trabalho e perseverança para se conseguir atingir os objectivos.

Ricardo Silva
DWM Management
Publicado em Ricardo Silva
quarta, 07 março 2012 00:00

Ser ou não ser

Deixou de ser, finalmente, a questão.
Estamos no acelerado século XXI. E todos querem ser 2 em 1. Ou 3 em 1. O que estiver mais a jeito para trazer a fama com que se sonha de dia e, sobretudo, de noite.
Estamos na era dos futebolistas-estrela, dos cantores-estrela, dos manequins-estrela, dos DJ-estrela.
Ora, se para dar toques na bola é preciso ter "jeito", se para cantar é preciso ter voz e se para ser manequim é preciso, pelo menos, ter altura e ter um palmo de cara... Para ser DJ basta ter meia dúzia de trocos no bolso e fazer o "Curso".
Sim, pode ser a fama que primeiramente motive todos aqueles que lutam por um lugar ao sol (de preferência em Miami), mas não é essa a principal razão que leva tantos (e tantas) a suspirar pela profissão.
A verdade, crua e dura, é que, para ser DJ - nos dias de hoje - não é necessário qualquer talento: as máquinas fazem o que só o coração dos homens deveria comandar. E este é o motivo que torna o Djing, a profissão mais desejada.

Numa época difícil, em que as expetativas de futuro são cada vez menores e em que se fecham centros de novas oportunidades, há lá possibilidade melhor do que a de ser DJ?
Ou DJ e manequim? Ou  DJ e ator? Ou DJ e futebolista? (um bocadinho mais difícil, esta!)

Na verdade, nada contra. O único problema é da infinita desilusão: porque tudo o que é fácil é facilmente imitável, porque copiar é mais fácil do que criar e porque, no fim, apenas meia dúzia conseguem atingir o patamar onde se pintam os sonhos.
Isto não quer dizer que não seja legítimo querer "ser DJ". Pelo contrário. Todos podemos ser tudo... Aquilo que consigamos aprender. Mas nem todos vão lá chegar: nem todos têm a aquela “chama”, naquela que é a essência de ser "dono" de uma cabine, mestre musical de uma noite, a não mais esquecer. E Darwin volta a acertar em cheio.
Entretanto descobrem-se verdadeiros mestrados nestas questões do ser ou não ser DJ. Em geral aparecem em imundas páginas das redes sociais e nada acrescentam de valor ao que é o fenómeno do momento. E esta é outra questão: o momento dita esta moda, outras mais estão para vir.
 
Pelo meio apenas fazem história os que, 3, 6 ou 1 data por mês, são qualquer coisa mais. Música. Coração. Carisma e ética. Disciplinas que não se avaliam via diploma e cujo valor é muito maior do que aquele que qualquer pseudo super equipamento para DJ pode comprar.
 
Mariana Couto
coutomi(at)gmail.com
Publicado em Mariana Couto
É com bastante satisfação que vejo que este ano, ainda mais do que nos anos anteriores, Portugal faz parte da agenda de muitos “top“ DJ’s Internacionais, de diferentes áreas musicais. Portugal está na moda e isso reflecte-se no turismo e nos eventos que acontecem todos os fins-de-semana, especialmente nesta altura, de Norte a Sul do país. É muito bom ver eventos praticamente esgotados, à tarde, à noite, fim-de-semana após fim-de-semana (e muitos dias de semana...), com artistas que participam nos melhores festivais de música electrónica pelo mundo fora. Depois de passarmos por um período “negro” economicamente que se reflectiu na quantidade (e qualidade) de eventos que tivemos, é com muita satisfação que vejo os cartazes dos eventos recheados de grandes nomes provenientes das várias áreas da música electrónica. Eu vou participar em alguns desses eventos, e nos que já aconteceram, como por exemplo o Sound Waves do passado dia 29 de Julho em Esmoriz, a afluência de pessoas foi superior à dos últimos anos.
 
Voltámos a ser “A Paradise Called Portugal”. Quem já anda dentro da “dance scene” portuguesa há alguns anos certamente se lembra desta frase, muito repetida pelas revistas lá fora depois de ter sido o título de uma reportagem da revista Inglesa Muzik em 1995. Nos anos 90, as revistas eram o principal meio divulgador da “dance scene” a nível internacional (ainda não tinha chegado a internet...) e nessa altura a DJ Mag, Mixmag e a Muzik eram três das principais revistas inglesas totalmente dedicadas à música electrónica. A meio da década dos 90, as três mandaram várias vezes repórteres a Portugal para cobrirem a vibrante vida nocturna nacional, chegando mesmo a dizer que “Portugal é a nova Ibiza”. Começou a haver uma programação regular de grandes artistas internacionais, quer em clubs quer em eventos, e Portugal começou a aparecer, pela primeira vez, na agenda dos grandes DJ’s internacionais. Já tinham acontecido alguns eventos pontuais com artistas internacionais de topo (lembro-me do evento no Castelo de Santa Maria da Feira em 1992, com Danny Tenaglia e Jaydee entre outros artistas, como um dos mais importantes) mas não havia ainda uma programação regular de eventos, quer em clubs quer como produções independentes, com DJ’s que fizessem parte do circuito internacional.
 

(…) todos me diziam que o nosso país era fantástico e que não entendiam como sendo tão pequenos em dimensão, tínhamos uma vida nocturna tão vibrante (…)



 Com as reportagens das revistas Muzik, DJ Mag e Mixmag (entre outras), Portugal começou a estar no “mapa” dos principais DJ’s e houve um “boom” de eventos com cartazes ainda hoje impressionantes se considerarmos a dimensão do nosso país. Foi a partir dessa altura que ficaram famosas as semanas da Páscoa no Algarve onde todos os dias durante uma semana (às vezes até mais...) se podiam ouvir muitos dos DJ’s/Produtores mais importantes a nível internacional, quer na Locomia (no espaço onde hoje existe o Le Club, em Albufeira), quer na Kadoc, espaço que hoje se chama Lick Algarve, em Boliqueime, perto de Vilamoura. Além de todos esses eventos no Algarve durante o período da Páscoa, aconteciam também muitos eventos regulares no Pacha em Ofir e no Vaticano em Barcelos, entre muitos outros clubs. Foi um período dourado da “dance scene” em Portugal e onde o nosso país era referido muitas vezes na imprensa estrangeira especializada como um dos melhores locais da Europa para a “club scene”, com fantásticos clubs e um público com uma entrega e um gosto musical sem igual. Acompanhei muitos DJ’s estrangeiros quer enquanto residente no Rock’s em Vila Nova de Gaia, quer mais tarde quando fazia parte da produtora de eventos X-Club, e todos me diziam que o nosso país era fantástico e que não entendiam como sendo tão pequenos em dimensão, tínhamos uma vida nocturna tão vibrante e com tanta qualidade.

Infelizmente, e por vários motivos, esse período acabou de maneira repentina. Como a “dance scene” em Portugal atingiu uma dimensão considerável em termos de negócio, rapidamente começaram as disputas entre produtoras (e até DJ’s) para conseguir fazer o evento no club “Y”, tentando bloquear o artista “Z” à outra produtora para que não pudesse fazer um evento com esse “top” DJ. Foram muitas as situações a que assisti, de ambos os lados das principais produtoras dessa altura, para tentar bloquear datas, discotecas, artistas, etc. Obviamente isso não podia ter um desfecho feliz e o resultado foi que a rentabilidade dos grandes eventos foi sendo cada vez menor (até porque cada vez os cartazes eram maiores e mais caros...) e cada vez foi sendo mais difícil trazer pessoas a esses eventos. Obviamente também porque se esgotou um pouco o factor “novidade” dos primeiros anos e a crise que apareceu em 2000 (sim, já estávamos em crise nessa altura...) fez o resto. Deixámos de ser um paraíso para a música electrónica internacional e durante algum tempo poucos eram os eventos que contavam com artistas de topo a nível mundial.
 
20 anos depois do “Neptunus Music Festival”, evento que aconteceu nos dias 2 e 3 de Agosto de 1997 em Albufeira (no local onde agora é a Marina) e que para mim (e para muitos) colocou Portugal definitivamente no mapa dos grandes eventos de música electrónica a nível internacional, surge o BPM Portugal. Pela primeira vez, a produção de um dos maiores festivais de música electrónica do mundo (que engloba as labels e produtoras mais importantes a nível internacional) vai sair de Playa Del Carmen no México, depois de 10 edições e escolheu Portugal. Não foi por acaso. Portugal está mesmo na moda a nível internacional!
 

(…) só espero que não se cometam os mesmos erros que se cometeram no passado e que esta dinâmica dure muito mais do que durou antes, o nosso público merece!

 
O “Neptunus Music Festival” trouxe a Albufeira quase 40 dos “top” DJ’s internacionais da altura (lembro-me que o único que não pode vir na altura foi o Danny Tenaglia porque não tinha nenhum dos dias disponíveis) para atuarem em dois dias em quatro tendas em mais de 12 horas por dia, em cada tenda. Eu tive a honra de actuar em duas das tendas. Nunca tinha sido feito nada do género em Portugal até essa altura e foi um sucesso tremendo.
 
O BPM Portugal, 20 anos depois do “Neptunus Music Festival”, vai conseguir juntar muitas das maiores labels e produtoras de grandes eventos internacionais que vão trazer praticamente TODOS os grandes artistas ao Algarve, entre os dias 14 e 17 de Setembro, num evento que certamente vai marcar a “dance scene” em Portugal.

Vendo todo este “boom” de grandes eventos em Portugal, com grandes artistas, só espero que não se cometam os mesmos erros que se cometeram no passado e que esta dinâmica dure muito mais do que durou antes, o nosso público merece!
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
quarta, 05 junho 2019 21:55

Miss Sheila - 20 Anos de Música

Para a minha primeira crónica de 2019, o tema selecionado é imprescindivelmente o meu 20.º aniversário de carreira e o meu percurso no mundo da música, desde o dia "zero", até aos dias de hoje.

20 anos, parece que foi ontem, no entanto muito tempo se passou desde o dia em que fiz a minha primeira atuação profissional ao vivo. "20", não é o número exacto e correspondente à minha ligação com a musica electrónica, mais concretamente com o "House e Techno". Comecei bem antes de 1999, a experiência das primeiras "raves", o meu cargo na Bimotor DJ com as encomendas internacionais de vinyl para Portugal, os eventos no Rocks, a Kaos Records, a Supersonic... tudo isto e muito mais faz parte da minha introdução ao "mundo" que hoje chamo "meu", e um importante pilar naquilo que hoje sou.

Resumir a minha carreira não é de todo tarefa fácil. 
Sempre tive uma imensa paixão pela música. Nasci em Sasolburg (Africa de Sul), depois vivi em Nova York, até que conheci o maravilhoso país que é Portugal, onde passei a residir.

Iniciei bem cedo a minha experiência com a música no geral, já nos Estados Unidos, com as aulas de piano, flauta e bateria. Sempre senti que eu e a musica éramos mais que meros "conhecidos", havia algo que me fazia sentir bem e em harmonia, sempre que ouvia um tema com que me identificasse. Naturalmente, senti a necessidade de partilhar esses sentimentos. Daí surgiram as primeiras experiências com a arte do "DJing", isto já em Portugal, no bar do qual era proprietária em conjunto com o meu irmão. Malibu Bar, era na Praia De Esmoriz e foi onde tive a oportunidade de dar início e desenvolver a minha paixão pela electrónica. Na altura, Esmoriz era prova-velmente uma das cidades onde residiam mais DJs. A forma como falávamos acerca dos temas mais recentes, do panorama no geral, contribuiu bastante para aquilo que sou hoje e para todo o "background" que ganhei.

Considero que tenho uma carreira solida e sinto-me imensamente grata por isso. Contudo, o processo de gestão de uma carreira para que tudo prevaleça de forma relevante e consistente não é de todo fácil, tema que já abordei de uma forma mais concreta na minha Crónica de Opinião: "A Máquina atrás do artista".

Fazendo uma retrospectiva, passei por varias gerações. Inicialmente onde apenas existia o "vinyl",  aquelas malas pesadas e os "White Labe" exclusivos, posteriormente o início da "Era Digital", onde surgiram os primeiros "CDjs", mais atualmente os DJ Softwares. Todo este processo de evolução no que diz respeito às ferramentas para actuação fez-me ganhar bastante experiência, que se reflete nos dias de hoje, sempre que saio para trabalhar.
 
A música também mudou bastante, felizmente a música boa nunca vai acabar, isto é algo certo, mas é normal que existam mudanças, devido às influências (culturais, sociais, políticas) ou mesmo ao material de estúdio, que em paralelo ao de performance ao vivo, também foi alvo de um grande "upgrade" ao longos dos tempos.

A música também mudou bastante, felizmente a música boa nunca vai acabar, isto é algo certo, mas é normal que existam mudanças, devido às influências (culturais, sociais, políticas) ou mesmo ao material de estúdio, que em paralelo ao de performance ao vivo, também foi alvo de um grande "upgrade" ao longos dos tempos.


Resumidamente, o facto de no início não ser tudo tão simplificado, fez com que eu e os artistas da minha geração tivéssemos que nos esforçar um pouco mais para que o produto final fosse o mais perfeito possível.

A nível do trabalho de estúdio e produção, como já referi inicialmente, também houve um grande desenvolvimento, seja a nível do Hardware, Software ou mesmo a forma como a informação é partilhada.

Editei o meu primeiro disco em 2001, pela conceituada "Tango" em parceira com o Joeski. Desde aí fui desenvolvendo as técnicas de forma intensa e editando originais e remisturas um pouco pelos quatro cantos do mundo, Digital Waves, Kaos, Magna (Portugal), Fresh Form, Datagroove (Espanha), Moderate (Itália), Fatal (Holanda), Na-nowave (Japão), Tango (EUA), Hypno (Reino Unido) e mais recentemente pela conceitua-da e restrita Natura Viva onde apenas figuram os melhores do mundo. 

De salientar também que em 2014 realizei um dos meus sonhos, abrir uma editora. A minha Digital Waves está também de parabéns em 2019 com os seus já 5 anos de existência. Estou a preparar desde Janeiro alguns temas, que vão sair até ao final do ano juntamente com tudo o que está projectado entre mim e a minha agência para esta temática.

Para finalizar, durante todo este percurso tive o prazer de conhecer pessoas fantásticas e conhecer outros países e culturas, como foi mais concretamente o caso de Nova Iorque, Ibiza, Geneva, Luanda, Cidade do Sal, Luxemburgo, Rotterdam, Bruxelas, Funchal, Lyon, Hartford, Sevilha, Vigo, Neuchatêl, Friburgo, Amsterdão, entre muitas ou-tras fantásticas cidades do mundo, como Portugal, obviamente! 

Assim sendo e de forma a celebrar este marco na minha carreira, do qual não podia estar mais grata por cada minuto, decidi retribuir todo o apoio e carinho que recebi ao longo dos anos, com a temática "20 Years of Music", que irá originar dois grandes eventos no final do ano. Um a Norte e outro a Sul. Mais novidades estão planeadas para sair, por isso fiquem atentos, este ano festejamos juntos.
 
Publicado em Miss Sheila
quarta, 10 setembro 2014 22:27

O que é um DJ 'open format'?

Muitas pessoas perguntam-me o que é um DJ de "Open Format", como tal, decidi escrever esta crónica para poder esclarecer essa dúvida persistente sobre este "novo" formato de DJ.
 
A indústria musical tem evoluído de uma forma bastante sólida, já lá vão os tempos em que um artista de Rock só fazia Rock, e um artista de Hiphop, só fazia Hiphop. Nos dias que correm são cada vez mais as fusões entre estilos musicais, o que é óptimo, porque assim conseguimos alcançar um maior leque de pessoas e explorar várias vertentes. Um grande exemplo que podemos ter, é o facto de David Guetta ter "pegado" em várias estrelas do Hiphop, Rnb, Pop e com isto ter feito hits atrás de hits e chegado a mais público!
 
Para mim isto só prova que a música não tem limites, e muito menos tabus só porque o artista “X” fez uma música num género diferente do que é habitualmente conhecido...
 
Às vezes temos que ser ousados e ter coragem para arriscar, só assim é que se marca a diferença, esta é minha opinião não só como DJ mas como produtor também, pois não gosto de produzir um só género musical nem de estar "preso" a um catálogo musical "monocromático"!
 
O DJ "Open Format" (que é o meu caso) usa essa versatilidade musical. É um DJ multi-géneros porque não está vinculado a um só género musical, e quem me vê a atuar sabe que gosto de explorar um set de A a Z, Comercial? Underground? Rock, EDM, Dubstep e música de rádio? Pois bem, na altura certa há espaço para tudo, e não há nada melhor do que ter um público satisfeito depois de ouvirem (como diz o meu manager) um set à lá "DJ Roleta" (ahahah)! 
 
Ainda a reboque do meu modus operandi, passei recentemente pela necessidade de "voltar às origens" deixando o computador de lado sempre que a cabine o permite.

Nos dias que correm são cada vez mais as fusões entre estilos musicais (...)

 
Como DJ e depois de vários anos a tocar com o Traktor, decidi explorar o sistema pendrive com o Rekordbox. Confesso que o “desmame” está a custar um pouco, porque a minha carreira como DJ, como todos sabem, começou no hiphop/scratch, e o Traktor na altura foi o meu melhor amigo (eheh). O desafio do pendrive foi vantajoso por um lado, e desvantajoso por outro... Vantajoso porque acabam as dores de cabeça de chegar a um club e ter de montar computador, cabos, placa de áudio, etc, etc, muitas das vezes (quando tocava com vinyl) tinha de montar um setup à parte (mesa, pratos, traktor...) e na maioria das vezes as cabines não tinham espaço, e aí improvisava-se um palco... Era o chamado "ganda filme" cada vez que ia tocar. 
 
Essa é uma das vantagens do pendrive - rápido e eficaz... uma pessoa chega ao club com uma bolsinha para os fones e a pen, e está feito, sem ter que andar com a mochila do computador atrás e todo o equipamento envolvente. Neste momento vamos com um avanço de 10-0 pen vs traktor, mas calma ainda faltam as desvantagens.
 
Pois bem, para mim as desvantagens do pendrive são poucas, mas ainda assim dão alguma "dor de cabeça" coisa pouca, atenção. Uma delas é o motor de busca muito limitado (no computador basta escrever e aparece tudo... Já para não falar no display que é bem maior), sim porque nós, os DJs de “Open Format” temos muita música e às vezes viramos rapidamente de música e nunca temos um set definido, o que me obriga a ter 10x mais organização no pendrive do que no computador, para depois não "andar aos papéis" perdido em dezenas e dezenas de pastas e playlists na hora de tocar. A última desvantagem (não por culpa do pendrive) é o facto de nem todos os clubs possuírem CDJ 2000/CDJ 2000 Nexus, e aí tenho sempre que recorrer ao traktor! Nesse aspecto os CDJ 2000 Nexus e o pendrive são o "casal ideal" para mim, DJ de “Open Format” e Scratch. 
 
São estes os pros e contras dos diferentes sistemas, que espero ter dado a conhecer um pouco mais desta vertente e também do meu lado "pessoal" no que toca à minha forma de tocar. Um bem-haja a todos, e continuem a divertir-se com muita música. 
 
Instagram: @rustymusik
Publicado em Rusty
Para a minha última crónica de 2019 decidi dar continuidade ao último tema abordado por mim, a celebração dos meus "20 Anos de Música". O evento foi realizado no passado sábado 7 de Dezembro e teve lugar no Pacha Ofir.

O alinhamento foi cuidadosamente pensado ao pormenor e tive como convidados: Chus & Ceballos, artistas que admiro e que foram uma forte inspiração para o meu início, não só pelo trabalho desenvolvido em prol da electrónica a nível mundial mas também devido à label que fundaram coincidentemente há também 20 anos, a Stereo Productions. Coyu, o espanhol proprietário da conceituada Suara, editora e fundação de apoio aos gatos abandonados, trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Ivan (Coyu) em Barcelona, e projecto que sem dúvida admiro e respeito bastante, ele é também um dos artistas Techno mais respeitados do momento, género que muito se identifica comigo. Pig&Dan, DJs e Produtores de excelência, são bastantes as edições desta dupla Britânica que uso nos meus sets, são um dos mais sucedidos projectos da famosa Drumcode de Adam Beyer. Rafa Barrios, mais um grande artista e amigo, conheci-o na primeira vez que veio a Portugal, através da minha agência Next Bookings, que o representa em Portugal desde esse dia, Rafa tem apoio incondicional de Carl Cox que curiosamente tocou 10 temas originais dele num único set, entre muitos outros artistas de primeira liga que o apoiam de forma consistente, devido às suas produções de qualidade. 

A nível nacional marcaram presença, Fauvrelle, mais um artista e amigo que admiro, considero-o o melhor produtor a nível nacional. Nuno Clam, residente em Esmoriz, temos importante ligação musical deste muito cedo. Nunno aka Nuno Lapa (Babalu), o nome mais importante no panorama underground da zona Centro, mais concretamente em Coimbra, reside atualmente na Suíça onde promove a sua carreira a nível profissional também com a Next Bookings. Eat Dust, conhecido pelo forte apoio de Marco Carola às suas produções. Tiger Lewis, residente do antigo Buddha Club e nome assíduo dos melhores Clubs do nosso país. O imprescindível Nelly Deep, residente do Pacha Ofir há mais de 20 anos, o "Master of Ceremony" Johnny Def, e para complementar o cartaz decidi juntar dois veteranos da dance scene nacional, Carlos Manaça e XL Garcia, que regressaram ao Pacha Ofir em modo "Back 2 Back" ao final de muitos, muitos anos.

Pacha (Ofir), foi o local escolhido, não só pela capacidade e condições como também pelo historial e tudo o que este Club significa para mim e para a electrónica em Portugal, foi a minha primeira escolha e fiquei bastante satisfeita por terem aceite este "desafio".

A produção do evento, e agora voltando um pouco à primeira parte desta crónica, "20 Anos de Música" e a outro tema aqui abordado por mim "A máquina atrás do artista", foi algo planeado de uma forma bastante meticulosa. Foi algo muito importante onde todos os detalhes foram da maior significância e pensados ao pormenor.
Planeei juntamente com a minha "equipa" o que queria a nível de estratégia de marketing, imagem, condições, decor, etc. Felizmente tudo correu como planeado: o local, o alinhamento, a campanha planeada e os convidados.

Preparei também um tema original em estúdio, intitulado de Miss Sheila-20YOM que saiu precisamente no dia do evento, 7 de Dezembro, pela minha editora Digital Waves. E que assinala este marco tão importante para mim.

Para um artista, a parte da co-organização de um evento, ocupa um espaço que deve ser mais dedicado à parte criativa e preparação para as atuações, etc. Mas foi com imensa satisfação que conduzi e ajudei em todo o processo dos "20 Years Of Music" desde o início até ao final. Foi um trimestre intenso de trabalho árduo e preocupação, de forma a que tudo corresse como planeado. Felizmente correu e sinceramente não mudaria nada.

Agradeço imensamente o apoio de todos os que fizeram parte deste trajecto, desde o dia um, onde fiz a primeira atuação ao vivo na Studio 55 em Espinho e fui prontamente agenciada pelo Paulo Almeida (Feedback Agency), que foi a primeira pessoa a apostar na "Miss Sheila". Posteriormente vieram outros a quem devo o mesmo respeito e gratitude, como é o caso do meu caro amigo António Cunha (RIP), o meu querido irmão Carlos Lopes, foi mais que um Manager e Agente, um verdadeiro braço direito. E claro ao meu atual Manager e Booker que todos sabem o quanto atualmente é importante para mim e para a minha carreira, Américo Oliveira (Next Bookings).

A todos estes e a todos os outros que de alguma forma intervieram, no meu sucesso, estou infinitamente grata! Fiquei da mesma forma grata por todas as entidades que apoiaram de alguma forma este acontecimento, nada me faz sentir mais grata do que ver o respeito e consideração de todos pelo meu trabalho, agora sei que realmente fiz algo pela dance scene, e é isso que quero continuar a fazer.

20 anos já passaram, muito obrigado a todos, como é obvio aos fãs, sem o apoio deles nada seria possível, assim como todos os que de alguma forma ajudaram ao meu grato sucesso, esta celebração é de todos, venham mais 20!
 
Publicado em Miss Sheila
Há poucos anos, era comum vermos discotecas a apostar em diferentes estilos musicais. Mesmo dentro da música dita ‘mais comercial’, as discotecas, sobretudo as das grandes cidades, dirigiam-se muitas vezes a públicos diferenciados, explorando nichos de mercado e subculturas que partilhavam os mesmos valores e gostos musicais. As discotecas desempenhavam um importante papel na promoção desses valores, sendo a música a sua principal ferramenta.
 
O aparecimento da cena house em Portugal, no início dos anos 90, foi um exemplo de uma grande subcultura que partiu dos DJ’s, primeiro, e das discotecas, depois, e que surgiu como um fenómeno de contracultura, respondendo à necessidade de quebrar com os unanimismos culturais estabelecidos.
 
Hoje, essa realidade alterou-se profundamente. As discotecas já pouco se diferenciam entre si: todas tocam as mesmas músicas, tendo os hits e a música de cariz popular tomado conta da maioria das casas do país. Arrisco a dizer que nunca como hoje os padrões de exigência estiveram tão baixos. Alguém imaginaria, há 10 anos, uma discoteca reputada de uma grande cidade a tocar o Emanuel? Salvo raras exceções, como o Carnaval, isso apenas seria possível em discotecas de província que, apesar de serem importantes, não ditavam tendências. Faziam parte de um Portugal profundo que nós, gente da cidade, insistíamos em subvalorizar. Por mais comercial que a música fosse, havia uma fronteira que as casas de referência raramente ultrapassavam.
 

"Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado."

 
Hoje, a mesma receita é aplicada a todos os públicos, como se as pessoas fossem todas iguais e partilhassem todas dos mesmos gostos. Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado. A tendência dos negócios, das marcas, do marketing e da comunicação é precisamente a oposta: "Como vivemos numa época de proliferação de culturas, as marcas têm de fazer escolhas. Não lhes é possível agradar simultaneamente a todas as pessoas, muitas vezes nem sequer a uma clara maioria delas"[1] . Não é por acaso que as marcas que têm feito maior sucesso nos últimos anos têm sido aquelas que souberam dirigir-se a nichos de mercado: Red Bull, Smart, Diesel, Apple ou Frize são apenas alguns exemplos.
 
No excelente livro 'A Cauda Longa', Chris Anderson explica porque é que o futuro dos negócios é vender menos de mais produtos, e traça o perfil desta nova economia da cultura e do comércio: os mercados fragmentam-se em inúmeros nichos, que se multiplicam à medida que os custos de produção e distribuição diminuem; por outro lado, os produtos de massas têm tendência a perder fulgor porque vendem cada vez em menores quantidades.
 
Um dos exemplos desta nova realidade é o comércio da música. A venda online de música alternativa – chamo-lhe 'alternativa' para a diferenciar dos hits – já representa uma quota superior à dos próprios hits. A título de exemplo, basta o iTunes vender apenas uma vez todas as músicas do seu stock, para isso representar mais de 20 milhões de músicas vendidas. Ou seja, a música alternativa toda junta tem já um valor económico superior ao dos hits.
[1] João Pinto e Castro, “Marketing Ombro a Ombro”, p. 41.
 
A diminuição dos custos de produção proporcionou a proliferação de diferentes estilos musicais, de inúmeros nichos e subculturas, e uma liberdade criativa sem paralelo na história da indústria discográfica: as editoras têm agora menos poder; os produtores deixaram de estar sujeitos aos caprichos dos A&R, ou quaisquer outros intermediários, e são cada vez mais independentes.
 
Com as lojas online, os custos da distribuição baixaram consideravelmente, resultando num preço de venda ao público bastante reduzido. Sendo a capacidade de armazenamento destas novas plataformas praticamente ilimitada, os seus stocks são gigantescos e permanentes. Resultado: nunca houve tanta música, tão diversificada, acessível e barata como hoje.
 
Mas se a música atual é tão variada, por que razão as discotecas andam todas a tocar o mesmo? É paradoxal que, numa indústria cultural cada vez mais tribalizada, as discotecas portuguesas apostem, como nunca, num modelo de negócio baseado em música para as massas, na música que mais vende no grande mercado – os chamados ‘hits’.
 
 
Apesar de reconhecer que é apenas um lado da realidade, vou arriscar três eventuais razões para este fenómeno.
 
Em primeiro lugar, porque "quando não se sabe para onde se quer ir, qualquer caminho serve para lá chegar". As discotecas são, salvo raras exceções, um modelo de negócio em que o amadorismo e o improviso imperam. Num negócio tão saturado como é o das discotecas, ainda continuam a abrir-se casas noturnas apenas porque sim: não se definem estratégias, não se traçam objetivos; tudo é deixado ao acaso. As discotecas não são geridas como empresas ou como marcas que precisam de ser valorizadas. Uma análise SWOT é ainda, para muitos empresários, um conceito exótico. E ao fim de tantos anos a trabalhar em discotecas, continuo a questionar-me como é que é possível haver tantos empresários com tão pouca sensibilidade para entender a música e as novas indústrias culturais, elementos basilares deste negócio.
 
Em segundo lugar, porque está enraizada a noção de que só a música popular – ou popularucha – é que tem público. É uma ideia muito repetida. Mas será verdadeira? Basta olharmos para os cartazes dos festivais de verão para percebermos que o grande público pode coexistir com as tribos. A programação de grande parte destes festivais assenta precisamente no equilíbrio entre as massas e os nichos de mercado. O Lux Frágil tem seguido uma estratégia idêntica. Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas? Mesmo que não seja de forma consciente, todos temos a noção de que há outras variáveis em jogo.
 
Por fim, porque o recurso à música comercial parece, à primeira vista, o caminho mais fácil. A meu ver, é mais um grande equívoco. Nem toda a gente tem perfil ou está habilitada a trabalhar para as massas. O raciocínio dos empresários que olham para a música comercial como a grande panaceia é mais ou menos deste tipo: "A discoteca X toca música comercial. Está cheia. Logo, a minha discoteca, para estar cheia, tem de tocar música comercial". Esta argumentação é frágil porque a realidade é mais complexa. Há muitos outros elementos a ter em conta.
 

"Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas?"

 
Não escondo que, numa sociedade cada vez mais fragmentada culturalmente, a música popular funciona como um poderoso agregador social. E esta é, quanto a mim, a chave para percebermos o fenómeno que estamos a viver. Mas o que me incomoda não é a música popular em si mesma. Eu também gosto de música comercial. O problema é que há cada vez menos espaço para a diferença. A repetição das mesmas fórmulas e a constante diminuição dos padrões de exigência, por falta de visão e criatividade, estão a transformar as discotecas em bailes de sede. E isso devia, por si só, fazer-nos refletir a todos.
 
Alex Santos
Publicado em Alex Santos
quarta, 03 dezembro 2014 18:58

O caso holandês

 
A questão da nacionalidade na música electrónica de dança deveria ser pouco importante, o que importa é a música e a quantos agrada sem olhar a fronteiras ou barreiras, afinal a grande conquista da electrónica é a democratização do acesso à música. No entanto é impossível não reparar no domínio de um pequeno país europeu, que tem crescido sustentadamente ao longo da última década, a Holanda. A maior evidência é o domínio do Top100 da DJ Mag, o ranking que serve de referência à indústria mainstream. Quatro dos DJs do Top5 mundial são holandeses, e se alargarmos para o Top20, metade são holandeses. A representatividade holandesa não tem par noutra nacionalidade e é um verdadeiro fenómeno. Se olharmos com mais um pouco de atenção verificamos que esta é apenas a ponta do icebergue. Grandes editoras são holandesas (a Spinnin; a Revealed; a Armada, entre outras); grandes produtoras de eventos são holandesas (a ID&T, responsável pelo Tomorrowland e pelo Sensation, por exemplo; ou a Alda Events, responsável pelas tours mundiais de Hardwell e Armin Van Buuren). A maior conferência anual é de organização holandesa e realiza-se em Amesterdão, o Amsterdam Dance Event. Mas como é que um pais tão pequeno consegue um peso tão significativo numa indústria mundial? Será algo na água que bebem? Ou será um fenómeno mais complicado de explicar?
 

O peso da música electrónica na economia holandesa é de 587 milhões de Euros por ano (...)

 
Comecemos esta análise pelo principio: os holandeses são porventura o único povo que tem estudos de impacto económico da indústria da música electrónica desde o início do século XXI. O primeiro estudo publicado data de 2002 e foi realizado pela consultora KPMG. O mais recente data de 2012 e foi executado pela consultora EVAR, e foi um dos documentos imprescindíveis a este texto1. O peso da música electrónica na economia holandesa é de 587 milhões de Euros por ano, ou seja, mais de meio milhar de milhões. Para este valor global contribuem as receitas dos DJs e produtores musicais, que ultrapassam os 254 milhões de Euros; os festivais e eventos que contribuem com uma fatia de 137 milhões de Euros; a recolha de royalties que ascende a 53 milhões de Euros; A organização de eventos a contribuir com 35 milhões de Euros; entre outras fontes de receitas que ascendem a uns impressionantes 587 milhões de Euros. Como se os números não falassem por si, esta é uma área de negócio em expansão mundial pelo que é expectável que cresça mais nos próximos anos. Uma estimativa cautelosa do mercado mundial dos eventos relacionados com a música electrónica cifra-se nos 2,7 mil milhões de Euros. E o que é que isto significa? Que os holandeses tiveram desde muito cedo a noção de que esta era uma indústria que poderia vir a ter tanto peso na economia do país como condições para crescer exponencialmente no futuro. 
 
Com esta ideia em mente o governo holandês teve o golpe de vista de acarinhar a música electrónica, de a reconhecer, de lhe dar um lugar de destaque na cultura e de criar um sistema de apoio, directo e indirecto, a toda a indústria. Um exemplo claro, e ímpar, desta integração e aceitação? Armin Van Buuren em 2013 a actuar no Kingsday (feriado nacional para celebrar o aniversário do Rei) ao lado da orquestra The Royal Concertgebouw: 
 
 
Outro grande exemplo do investimento na música electrónica foi a criação de uma conferência em 1996 - o Amsterdam Dance Event (ADE) - financiada pela Buma/Stemra (a Sociedade de Autores Holandesa), numa altura em que existia apenas a Winter Music Conference (WMC) de Miami. Focando mais a parte profissional e diurna do negócio, o ADE conseguiu destronar a WMC da sua posição de maior conferência mundial, e tornou a WMC de Miami uma opção, e o ADE de Amesterdão uma obrigação anual para qualquer profissional da indústria. 
 
Além desta óbvia integração dos DJs na cultura do país realizam-se no Kingsday vários eventos de música de dança públicos em todas as grandes cidades holandesas (Amesterdão, Roterdão, Haia, Utrecht, etc) feitos em cooperação com o governo local porque há um entendimento da parte de quem tem o poder público que estes eventos atraem pessoas e geram receitas. Ainda no campo do apoio existem várias organizações de caridade como a Unicef, WWF, War Child (Dance 4 Life), que são parcialmente financiadas pelo governo e que organizam diversos eventos, entre os quais eventos de EDM, para chamar a atenção para as suas causas.  
 
Por último, mas não de somenos importância, os estudos dos músicos e produtores também são apoiados através de financiamento estatal. Qualquer estudante holandês, em função das suas condições de vida pode pedir um apoio estatal até 400€ mensais e, desde que termine os estudos no tempo mínimo e sem falhar nenhuma disciplina, não tem que devolver o dinheiro que recebeu ao Estado. 
 

O caso holandês é um case study mas deveria ser também um exemplo a seguir por outros países.

 
Já ouviram falar de outro país que tenha algo de remotamente semelhante em termos de apoio, integração e valorização da cultura da música electrónica? Eu também não. Parece-me que podemos excluir a hipótese da água.
 
É evidente que sem talento nada se faz, pelo que há um valor artístico no caso holandês que não pode ser medido, e que é a variável nesta equação. Contudo a expressividade dos números da representatividade holandesa na indústria da EDM mundial é directamente proporcional ao investimento de uma nação, não só em apoio financeiro e institucional mas também em aceitação de uma forma de arte e cultura tão vanguardista (sim, porque ainda há quem discuta o valor de um produtor musical versus um músico instrumentista) que permanece na sombra na maioria das culturas mundiais apesar da crescente exposição e da conquista da pop mundial. 
 
O caso holandês é um case study mas deveria ser também um exemplo a seguir por outros países. 
 
(1) "Dance-onomics - The Economic Significance of EDM for the Nederlands" - EVAR Advisory Services, October 2012
 
Thanks Celwin Frezen for the Dutch insider input, couldn’t have done it without you!
 
Um agradecimento especial a toda a equipa e artistas da WDB Management pelo input valioso que dão a todas as minhas crónicas.
 
Sónia Silvestre
Brand Manager
WDB Management
Publicado em Sónia Silvestre
quinta, 03 outubro 2013 19:19

From a paradise called Portugal...

 
Enquanto escrevo estas linhas, entra pela janela, através dos pinheiros que circundam a minha casa, uns belos raios de Sol. Está um fantástico dia de Outono, e parece-me indicado para o assunto que desta vez irei abordar na minha crónica.
Falta a banda sonora, e tal como o título sugere, terá que ser portuguesa. Olho para a prateleira dos CDs e... voilá! "Kaos Totally Mix" de 1995 salta à vista. Nem mais... Play!
 
"Kaos Totally Mix" misturado por DJ Vibe é uma obra de culto da música electrónica nacional. Lançado em 1995, representa o esplendor máximo do que foram os tempos de ouro da música de dança em Portugal. É recheado de temas emblemáticos e condimentado por uma mistura/técnica impressionante, quase mágica de um senhor chamado António Pereira, DJ Vibe. 
 
Pois é sobre estes anos de ouro que quero falar… 
Por meados dos anos 90, no mundo da música de dança, Portugal era considerado um 'paraíso'. Artistas como Underground Sound Of Lisbon (DJ Vibe e Rui da Silva), Urban Dreams (Alex Santos), The Ozone, DJ Jiggy, Kult Of krameria, J. Daniel, DJ Tó Ricciardi, L.L. Project (Luis Leite), A. Paul, DJ ZÉ-Mig-L e tantos outros, davam vida e mostravam que tínhamos um som próprio, único e característico que representava Portugal. Éramos respeitados e acima de tudo, tocados por esse mundo fora. Nesse capítulo, é importante referenciar um nome que proporcionou esse estatuto a este pequeno país. António Cunha!
 
Fundador da empresa Kaos (que a par da edição discográfica, era também empresa de eventos), juntamente com Rui Da Silva e DJ Vibe, foi um incansável lutador, não só na divulgação de talentos, mas também como impulsionador da cena de dança num país que pouco ou nada conhecia dessa vertente. "Raves" míticas, discos míticos, anos de ouro que para sempre estarão associados a este senhor que infelizmente já partiu, e deixou saudades - muitas - de tempos que parece que nos distanciamos a passos largos. Um bem-haja a António Cunha, que descanse em Paz.
 

Sempre fomos talentosos neste aspecto, e dizer que fomos mais na altura, pois as "vitórias" foram maiores, é errado, a diferença está na união que existia, vontade, e um remar numa só direcção.

Distanciamo-nos a passos largos - sim. Pois a realidade dos dias de hoje é bem diferente. E não falo da sonoridade, porque essa, sendo ela de cariz electrónico, é lógico que sofre mudanças, mutações, evoluções. Não é o som actual que estou a pôr em causa, ponho sim, a diferença de atitude, o empenho geral e acima de tudo o que não existe nos dias de hoje, a UNIÃO ARTÍSTICA! Essa força, que faz a força. 
 
Sempre fomos talentosos neste aspecto, e dizer que fomos mais na altura, pois as "vitórias" foram maiores, é errado, a diferença está na união que existia, vontade, e um remar numa só direcção. 
 
A força foi tal, que nas discotecas, como foi citado várias vezes na comunicação social especializada, "(...) tornou-se 'in' dançar um disco de música dança nacional(...)". E era verdade, existia esse orgulho na música de dança portuguesa, esse orgulho em saber que aquela música era nacional e era boa. Patriotismo na música de dança, sim, eu experimentei esse tempo. E que tempo...
 
Hoje estamos distantes do que é nosso, pouco queremos saber, pouco nos preocupamos. E aí, a culpa não é só dos artistas, da pouca união e pouca vontade de seguir um caminho único, visando o sucesso geral e não o propósito de ser o número 1. A culpa é também das rádios e televisão que pouco ou nada apostam em artistas nacionais, que pouco ou nada se preocupam em fazer para termos de deixar de importar e começar a exportar, que é o que lá fora se preocupam em fazer.
 
Hoje a rádio é um jogo de interesses, comandada por algumas empresas de agenciamento que querem vender 'peixe graúdo' internacional e que 'prostituem' artistas nacionais «a torto e a direito» e que só vêm euros. Que saudades tenho daquele dia em 1994, à hora de almoço, dentro da carrinha de trabalho do meu pai, ouvi na Rádio Comercial Underground Sound Of Lisbon - So Get Up... É verdade. Saudades...
 
A união faz a força, e nós poderíamos ser muito mais fortes, até porque já o fomos, mas temos uma mentalidade egocêntrica, queremos ser os maiores 'do nosso bairro'. A nossa geração actual da música de dança, em comparação com a dos 90, faz lembrar as duas últimas gerações da Selecção Nacional de Futebol... A nova tem mais recursos, eles têm mais estilo, são mais bonitos (Ok, alguns), mas a outra, jogava bem mais, tinha um rumo e nenhum queria ser o número 1 - eram unidos!
 
Outros tempos que saudosamente recordamos, portugueses que deixaram o seu nome na história, que muitas vezes não são respeitados nem recordados da maneira que deviam. Portugueses que queriam mais para o seu pobre país, que mesmo atravessando ao longo dos anos as dificuldades que conhecemos, sempre foi de sacrifício para que bens maiores se elevassem, e na história da nossa música de dança, esse "Paradise Called Portugal", teve o seu apogeu nos anos 90. Para quem os viveu, vai rever-se nestas minhas palavras, quem não os viveu, que reflicta, e que comecemos todos de uma vez por todas a remar para um futuro melhor.
 
Saudações musicais.
So Get Up!!!
 
Publicado em Massivedrum
sábado, 09 junho 2018 23:20

A democratização da noite

Após várias tentativas infrutíferas por parte de um amigo para escrever no Portal 100% DEEJAY, pois sou avesso às críticas e dissertações sobre um produto completamente desvirtuado ao longo dos anos por inúmeras razões, algumas das quais vou comentar, lá acedi dar a minha opinião sobre o estado da noite atual.

Seguindo a linha de uma pessoa com tempo e conhecimentos do que era e é a noite (Zé Gouveia), venho abordar dois pontos que para mim desvirtuaram os espaços tão bem conseguidos nos anos 80 e 90.

Os promotores e a gula dos proprietários, muitos sem noção e outros vocacionados para o produto de desgaste rápido.

A vertente dos promotores, que a mim me faz confusão, é o exemplo da descaracterização de qualquer espaço, pois eu sou do tempo em que os relações públicas trabalhavam para uma casa a tempo inteiro, permitindo conhecer, gerir, elaborar conteúdos, target e serviço do determinado espaço, coisa que hoje é impensável e a gestão é feita através dos diversos meios de comunicação virtual, sem conhecimento nenhum de com quem comunicamos, perdendo-se assim a especificidade do target pretendido para a casa.

Isto, aliado ao facto de os próprios espaços se terem democratizado (pagas 10 euros entras), retirou-lhes o cunho uma vez que os próprios proprietários não quererem construir conceitos mas sim casas de eventos, onde tudo entra, desde que fature já!

Além de tudo isto, a realidade atual em termos estéticos é muito mais abrangente. 

Hoje em dia nós despimo-nos para sair, antes vestiamo-nos para sair.

É verdade que existem menos espaços noturnos em Lisboa, mas tem a ver com inúmeros fatores que, desde a descentralização da cidade (abertura de casas em zonas limítrofes), há tolerância zero relativamente ao álcool (que eu acho muito bem) e o nível de vida da população em geral.

Mas esta é a minha opinião, quiçá saudosista e démodé à espera do tal espaço elitista e intemporal de outros tempos.
 
Speedy
Contrariamente à imagem criada, a minha área foca-se na restauração e não na noite, apesar da imagem como gerente do BBC ter sido fortíssima atendendo à casa em questão. Projetos como o COP 3, Senhora Mãe, Spiky e Via Pública foram restaurantes dos quais intervi diretamente na execução implementação de conceito e gestão operacional.
Publicado em Speedy
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