Diretor Ivo Moreira  \  Periodicidade Mensal
Tempo de pandemia e estado de emergência é também tempo de uma reflexão sobre o impacto da nossa área e nas consequentes mudanças no futuro. Neste momento, a incerteza é sem dúvida a maior preocupação numa indústria que foi fustigada pela necessidade de parar a sua actividade, muito antes de todas as outras áreas de sociedade.

A indústria da música, uma área fundamental da cultura, vive tempos difíceis. Músicos, técnicos, agentes, promotores e todos os restantes postos directos e indirectos de trabalho gerados por esta área que em muito contribui para a sociedade, estão com o seu futuro em suspenso.

Em Portugal como na maioria dos países do mundo urge a necessidade de um plano de contingência que passa pela preservação da saúde pública e pelo controlo social e económico. Essas medidas implicam estabelecer prioridades e a música não é assim considerada numa primeira fase. No nosso país por força da sazonalidade da nossa actividade existe muito trabalho considerado precário. A curto prazo terá de ser criado um fundo/linha de apoio excepcional para determinadas áreas da sociedade como a indústria da música e do entretenimento em geral. Se é prioritária a saúde pública e a contenção da pandemia, implica que eventos sejam cancelados ou adiados, tendo em conta que são foco de provável contágio.

Todos aqueles que estão directa ou indirectamente dependentes desses mesmos eventos estão impedidos por tempo indeterminado de exercer a sua actividade, mesmo quando toda a sociedade estiver já de volta ao seu normal funcionamento. É com certeza imprudente acelerar a retoma dos eventos e espaços de diversão, sob pena de assistirmos a uma "segunda vaga" de surto da epidemia que poderá ser mais penalizadora e certamente atrasará a retoma à normalidade.

No entanto é fundamental criar medidas de apoio e um organismo que lidere esse processo de uma forma estruturada.

Este é o momento certo para a indústria da música se unir de uma forma organizada e concertada à imagem de outras áreas. Apenas com uma estratégia será possível salvar uma indústria que ficará exposta.

É sem dúvida um momento único e ímpar na sociedade moderna que vivemos. Como em todas as "guerras" existem consequências, momentos de crise e readaptações para o futuro.

Podemos estar perante uma crise sem precedentes, talvez a mais dura e com maiores consequências, mas é também um momento de mudança de hábitos, de consciência social e de adaptação a uma nova realidade.
Numa fase em que é ainda imprevisível prever o que acontecerá com a economia e sociedade em geral, a música tem e terá sempre um papel fundamental na sociedade e mesmo em tempo de confinamento tem a capacidade de transmitir emoções. Cabe aos músicos e restantes intervenientes continuarem a brindar o público com a emoção e alegria que apenas a música é capaz.

A sociedade e os governantes têm o dever cívico de preservar esse bem tão precioso que contribuiu diariamente para o bem-estar de todos, num momento que é difícil mas que testa a capacidade humana de se superar e reinventar.

Devemos todos contribuir activamente mantendo as regras de afastamento social e medidas de prevenção. Só assim poderemos voltar a fazer festa em breve!

#StaySafe #VaiCorrerTudoBem
 
Fernando Vieira
Publicado em Fernando Vieira
sexta, 09 fevereiro 2018 21:24

Recap da música electrónica

Um novo ano começou e aceitei, mais uma vez, o convite da 100% DJ para deixar alguns artigos de opinião para os leitores/utilizadores deste portal que tem prestado um serviço de informação isento e de qualidade sobre a indústria da música electrónica em Portugal. 

Não tenho a presunção de achar que sou um conhecedor profundo ou um "visionário" do que se irá passar no futuro mas lanço o desafio a quem não leu artigos de opinião anteriores e publicados neste portal para que percebam um pouco que há sinais que surgem e que quem trabalha neste meio consegue sentir e prever mudanças e que na altura foram alvo de imensas críticas. 

Tive o privilégio de assistir ao início do aparecimento da música electrónica em Portugal e aos primeiros DJs que ousaram agarrar nos "martelinhos" e fazer uma carreira. Sinto a tristeza inerente de ter visto muitos deles desaparecer devido ao aparecimento das novas tecnologias, ao "facilitismo" da produção musical onde tudo passou a ser "informatizado" e as "máquinas" foram metidas para um canto e onde um PC, um teclado e uns programas informáticos bastam para que saia uma obra musical. 

Na ultima década assistimos a uma autêntica "epidemia" de novos DJs e produtores musicais que julgaram que tinham encontrado o "El Dorado" na música electrónica. 

Deixo uma pergunta: 
- Onde estão 80% desses DJs que apareceram do nada e desapareceram mais rápido do que surgiram?

Poucos, muito poucos, são os DJs que surgiram nos últimos cinco anos e que continuam no mercado. Apenas permaneceram aqueles que souberam adaptar-se às mudanças (leiam os artigos anteriores que mencionei) e outros que souberam profissionalizar-se. Continuamos a ter os "velhinhos" e aqueles que fizeram uma carreira (mais de 10 anos no mercado) como referência e a manterem a indústria em movimento por um único motivo... quiseram uma carreira e deram atenção ao mais importante - A Música. 

A música electrónica (seja qual for o estilo) não é diferente de outro tipo de música qualquer. Tivemos o "boom" da Kizomba e assistimos à sua queda. Temos agora o Hip Hop em alta  e que está a cometer o mesmo erro que a Kizomba. Tenho a certeza que daqui a uns anos vamos todos olhar para trás e só conseguimos lembrar-nos de meia dúzia de nomes que marcaram estes estilos e que vão continuar no mercado no futuro. Façam esse exercício para a Kizomba e vejam se conseguem dizer 10 nomes de artistas portugueses ou que estivessem no mercado português, quando foram mais de uma centena que percorreram palcos e clubes deste país. 

A música electrónica sofreu (está a sofrer) o mesmo "problema". Está a haver a triagem natural do mercado. Quer pela qualidade, quer pela "oferta vs procura". 

Olhem para esta indústria como um negócio, para vocês como um produto e para música como arte. Só assim poderão ter sucesso. Querer vender arte (leia-se múisica) sem a divulgar, dificilmente haverá quem a queira comprar. Tenham um produto (leia-se DJ + Música) que seja apetecível ser adquirido e para isso é preciso olhar para a indústria como um negócio. 
Se não pensares desta forma ou quiseres apenas ser "um artista", lembra-te que os maiores artistas só tiveram reconhecimento depois de falecerem... 
A escolha é tua...
 

Ricardo Silva
DWM Management
Publicado em Ricardo Silva
quarta, 12 fevereiro 2014 12:28

Identidade

 
Olá a todos, leitores, ouvintes e demais amantes da música de dança, colegas cronistas e toda a equipa da 100% Deejay. Feliz 2014 a todos!
 
Na minha primeira crónica do presente ano, falarei de um assunto que aos poucos, está a acabar com algo bastante importante em todos os negócios, IDENTIDADE. Não só na música, mas também nos espaços.
Parece que neste momento, e em jeito de gíria, temos dois pesos, duas medidas:
 
    - Tudo ao molho e fé em Deus
    - Isto é o Tomorrowland
 
Pode parecer demasiado generalizado, mas não o é. Vamos por partes. No primeiro, temos as casas e os DJs que tocam tudo e mais alguma coisa. Da música pimpa portuguesa ao Electro/Progressive/EDM (call it what you want), passando pela musica brasileira (de quase todos os géneros), remixes de bradar aos céus de clássicos (a típica remix portuguesa com grooves afro), e não esquecendo claro, a vaga de música africana (dos afro-beats pimba à Kizomba, lá toca de quando em vez, um Liquideep, Blackcoffe???) que assaltou o país com as suas danças... peculiares. 
 
Ora isto não tem mal nenhum se se enquadrar no negócio a que a casa se propôs, e, claro, se feito com pés e cabeça. Tocar um "Animals" depois de um "Show das Poderosas" seguido de um "Baixó" com uma acapella pelo meio de Daft Punk é uma "sopa" que pode criar "enfartamento". As coisas feitas com nexo, sentido, neste tipo de casas/negócio, só têm a ganhar. A noite mudou mas há coisas que não, e os horários (sim, as pessoas chegam mais tarde, é verdade), sendo uma das coisas que prejudicou bastante, podem, se bem aproveitados, não prejudicar tanto como se julga. É uma questão de aproveitar certos estilos musicais para fazer as pessoas chegarem mais cedo. É possível, e eu já o vi feito em muito bom negócio por muito bom DJ que pela nossa noite ainda vai tendo... Identidade. O DJ residente deve proporcionar uma viagem ao público, uma sensação de bem-estar, tocar nas emoções e acima de tudo, fazê-lo se tiver mestria, com a sua identidade de encontro ao que se propõe o negócio do club onde trabalha.

A música mudou, os festivais, os clubs e até os próprios DJs, mas olhar só para um lado, acho que não é opção.

 
A segunda... bem, a segunda, é aquele típico trabalho de DJ que, ou começou há pouco tempo, ou então, quer agradar aos amigos que tal como ele, sonham com o festival Belga e com o Top 10 do Beatport. Cada qual com a sua ideologia e direito, mas esta opção para um DJ residente, pode não ser a melhor. Principalmente quando ainda com a casa a menos de meio gás, já vai para lá do "Land". Se esta é a identidade dele - ser residente - pode não ser a melhor opção, ou então como muitos fazem sabiamente, incutem o seu gosto e cunho aos clientes, de forma correcta, com mestria, podendo então tocar o que mais se gosta, não chocando com o ouvido e gosto do público a que o club se propôs agradar e cativar. Penso que ouvir o "Distorted Kick" da Spinnin' Records a noite inteira não é a ideologia de um club com... Identidade.
 
A música mudou, os festivais, os clubs e até os próprios DJs, mas olhar só para um lado, acho que não é opção. Portugal vive provavelmente a maior crise (não só económica), a nível de noite e de tudo o que engloba esta. Musical, temática, mas acima de tudo uma grave crise de identidade que leve as pessoas a querer dizer: "Vamos lá!". E neste aspecto, o DJ actual (salvo excepções como é lógico), não ajuda com a referida "sopa" ou a ilusão do palco "Tomorrowland" que em cima referi. 
 
Esta realidade já me fez pensar várias vezes porque ainda continuam artistas de outros estilos a produzir, a caminhar e a remar para um lado que parece condenado. Pois bem, não está condenado e recomenda-se. Há poucos dias, a senhora Roisin Murphy (a Diva dos Moloko), esteve a actuar na discoteca Lux em Lisboa, para uma casa cheia, e o que me arrepiou ver um vídeo de um Lux cheio a cantar a uma só voz "Forever More". Lux é um exemplo de uma casa com IDENTIDADE (sim, em letras maiúsculas). Quem não gosta não consome, mas quem gosta, sabe sempre que mesmo desconhecendo o que se vai passar, é dentro do que está habituado. Isto é Identidade. Isto é o que falta à noite portuguesa. Diversidade, identidade, qualidade a que se propõe o negócio, independentemente do que seja. Há espaço para todos, para todos os gostos, mas na minha modesta opinião, há que perceber a que cada tipo de cliente se quer chegar. O DJ pode e tem que ter um papel fundamental nesse aspecto, e muito sinceramente, faltam bons profissionais para fazer o "negócio" andar. 
 

(...) Isto é o que falta à noite portuguesa. Diversidade, identidade, qualidade a que se propõe o negócio, independentemente do que seja...

 
É lógico que existem muito boas excepções que fogem a esta crise de identidade. Negócios cimentados, outros mais recentes, sabem desde o porteiro ao DJ, ao que a casa se propôs e... são sucesso. Saber o que se quer e acima de tudo, saber o que se poder oferecer e fazer com o que se tem, necessita de uma liderança com mestria, seguida de uma equipa com vontade e a remar toda na mesma direcção. 
 
Um último reparo. Aos DJs que aceitam residências para não estarem em casa e depois não se predispõem a tocar dentro do enquadramento a que o negócio da casa se dirige, mais vale ficarem no quarto. Prejudicam a casa e a eles próprios. Penso que será melhor opção tentarem perceber onde podem mostrar o seu trabalho e o mesmo funcionar. Erros de casting podem acabar com carreiras e/ou negócios. É tudo uma questão de perceber onde nos enquadramos, qual é a nossa Identidade.
 
Saudações musicais.
 
Publicado em Massivedrum
terça, 12 agosto 2014 23:01

Preguiça...

Olá a todos os leitores, colegas cronistas e a toda a equipa da 100% DJ. Espero que, dentro do que tem sido possível, o Verão esteja a correr da melhor maneira a todos.
 
Peço imensa desculpa pelo meu atraso de 12 dias, mas foi-me completamente impossível arranjar um tempo para poder divagar e partilhar convosco os meus pensamentos mais cedo. Decidi então fazê-lo hoje, aproveitando o facto de ter terminado o "mais electrónico festival de sempre em Portugal" no domingo e deixando passar segunda-feira, dia de rescaldo e reacções. 
 
Não sei se foi só nas minhas redes sociais que 80% das pessoas que por lá "habitam" manifestaram uma certa desilusão, mas que foi algo patente, foi. Não pelo cartaz, não pelos espectáculos, mas pela "repetição" dos mesmos. 
 

Há mais de 20 anos que ficou provado que a musica electrónica era o futuro (...)

 
Já de algum tempo para cá que muitos artistas ligados à música de dança, "criticam" ou referem a preguiça das novas "Rock Stars". A insistente playlist de 10/15 músicas que estes DJs tocam show após show, uns atrás dos outros, chega a ser de arrepiar. É incrível, como um artista que tem milhares de pessoas à frente dele, não tem "coragem" de arriscar, de surpreender, de se querer destacar dos demais. Sinceramente, achei por exemplo, o main stage desta edição do Tomorrowland uma verdadeira desilusão. Músicas mais que massacradas, com mais de ano e meio levadas à exaustão na edição do ano passado, tocadas de novo, "over and over again"
 
No Sudoeste, do pouco que vi - mais do mesmo. Acho lamentável, pois, ao contrário das bandas, que precisam de meses de ensaios para actuar em palco, um DJ tem a semana toda para chegar e surpreender. E muito menos desculpas de falta de tempo ou estúdio, pois sabemos que hoje em dia, duas horas de espera num aeroporto, dá para fazer muita coisa, nem que seja para surpreender o público, com um "simples" portátil bem artilhado. A questão é que estão preguiçosos. Pura e simplesmente. Sabemos que a indústria quer que se consuma estes artistas, mas acho, na minha humilde opinião, que têm que rapidamente começar a fazer mais, muito mais.
 
Quando me dizem que um espectáculo do Calvin Harris (que durante duas horas mistura produções suas) é o equivalente a um concerto de uma banda, é, uma comparação ridícula. Se em palco ele tocasse os diversos instrumentos (acompanhado ou não), se tivesse os cantores, se fosse realmente música tocada, isso era outra história, e sim, podíamos chamar de concerto, que inexplicavelmente é o que chamam a duas horas de DJ set nos dias de hoje. 

É importante e urgente que se volte a tratar a indústria como arte e não como máquina de fazer dinheiro fácil (...)

 
Há mais de 20 anos que ficou provado que a musica electrónica era o futuro, por estar, tal como o nome indica, associada à tecnologia, que como sabemos, caminha lado a lado com a evolução, mas estar constantemente a repetir uma fórmula mais que gasta, leva a vários problemas. Um desses problemas é o pouco empenho (já todos percebemos como produzir uma faixa genérica do chamado "universo EDM"), que por sua vez leva à falta de originalidade e acaba por não despertar interesse no público. É um facto provado noutras áreas e neste caso não será diferente. De tal maneira, que, esta preguiça que impera, leva a que nestes ditos "concertos", o DJ use e abuse do microfone, num espectáculo em que deveria ser a música a falar. E até nesse uso e abuso do microfone, o discurso é o mesmo. 
 
É importante e urgente que se volte a tratar a indústria como arte e não como máquina de fazer dinheiro fácil, para, claro, o bem da mesma. Há 20 anos já existiam DJs/Produtores milionários, DJs/Produtores com Grammys e nunca se deixou de respeitar a arte e o público. 
 
Felizmente a música electrónica não tem apenas esta chamada vertente EDM, e noutros estilos existem artistas fabulosos, festivais fantásticos, e sim, uma luz ao fundo do túnel, pois aos poucos, já se sente uma necessidade de mudar. Como se costuma dizer, o Mundo não pára de girar e todos os dias, nasce um génio.
 
Fiquemos com a esperança de que o respeito pela arte volte, e que, estas novas "Rock Stars", queiram realmente ficar para a história, "escrevendo" obras intemporais.
 
Saudações,
 
Publicado em Massivedrum
Há poucos anos, era comum vermos discotecas a apostar em diferentes estilos musicais. Mesmo dentro da música dita ‘mais comercial’, as discotecas, sobretudo as das grandes cidades, dirigiam-se muitas vezes a públicos diferenciados, explorando nichos de mercado e subculturas que partilhavam os mesmos valores e gostos musicais. As discotecas desempenhavam um importante papel na promoção desses valores, sendo a música a sua principal ferramenta.
 
O aparecimento da cena house em Portugal, no início dos anos 90, foi um exemplo de uma grande subcultura que partiu dos DJ’s, primeiro, e das discotecas, depois, e que surgiu como um fenómeno de contracultura, respondendo à necessidade de quebrar com os unanimismos culturais estabelecidos.
 
Hoje, essa realidade alterou-se profundamente. As discotecas já pouco se diferenciam entre si: todas tocam as mesmas músicas, tendo os hits e a música de cariz popular tomado conta da maioria das casas do país. Arrisco a dizer que nunca como hoje os padrões de exigência estiveram tão baixos. Alguém imaginaria, há 10 anos, uma discoteca reputada de uma grande cidade a tocar o Emanuel? Salvo raras exceções, como o Carnaval, isso apenas seria possível em discotecas de província que, apesar de serem importantes, não ditavam tendências. Faziam parte de um Portugal profundo que nós, gente da cidade, insistíamos em subvalorizar. Por mais comercial que a música fosse, havia uma fronteira que as casas de referência raramente ultrapassavam.
 

"Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado."

 
Hoje, a mesma receita é aplicada a todos os públicos, como se as pessoas fossem todas iguais e partilhassem todas dos mesmos gostos. Os atuais empresários e gestores de discotecas parecem não perceber que, ao tentarem dirigir-se às massas, estão a adotar um modelo de negócio esgotado. A tendência dos negócios, das marcas, do marketing e da comunicação é precisamente a oposta: "Como vivemos numa época de proliferação de culturas, as marcas têm de fazer escolhas. Não lhes é possível agradar simultaneamente a todas as pessoas, muitas vezes nem sequer a uma clara maioria delas"[1] . Não é por acaso que as marcas que têm feito maior sucesso nos últimos anos têm sido aquelas que souberam dirigir-se a nichos de mercado: Red Bull, Smart, Diesel, Apple ou Frize são apenas alguns exemplos.
 
No excelente livro 'A Cauda Longa', Chris Anderson explica porque é que o futuro dos negócios é vender menos de mais produtos, e traça o perfil desta nova economia da cultura e do comércio: os mercados fragmentam-se em inúmeros nichos, que se multiplicam à medida que os custos de produção e distribuição diminuem; por outro lado, os produtos de massas têm tendência a perder fulgor porque vendem cada vez em menores quantidades.
 
Um dos exemplos desta nova realidade é o comércio da música. A venda online de música alternativa – chamo-lhe 'alternativa' para a diferenciar dos hits – já representa uma quota superior à dos próprios hits. A título de exemplo, basta o iTunes vender apenas uma vez todas as músicas do seu stock, para isso representar mais de 20 milhões de músicas vendidas. Ou seja, a música alternativa toda junta tem já um valor económico superior ao dos hits.
[1] João Pinto e Castro, “Marketing Ombro a Ombro”, p. 41.
 
A diminuição dos custos de produção proporcionou a proliferação de diferentes estilos musicais, de inúmeros nichos e subculturas, e uma liberdade criativa sem paralelo na história da indústria discográfica: as editoras têm agora menos poder; os produtores deixaram de estar sujeitos aos caprichos dos A&R, ou quaisquer outros intermediários, e são cada vez mais independentes.
 
Com as lojas online, os custos da distribuição baixaram consideravelmente, resultando num preço de venda ao público bastante reduzido. Sendo a capacidade de armazenamento destas novas plataformas praticamente ilimitada, os seus stocks são gigantescos e permanentes. Resultado: nunca houve tanta música, tão diversificada, acessível e barata como hoje.
 
Mas se a música atual é tão variada, por que razão as discotecas andam todas a tocar o mesmo? É paradoxal que, numa indústria cultural cada vez mais tribalizada, as discotecas portuguesas apostem, como nunca, num modelo de negócio baseado em música para as massas, na música que mais vende no grande mercado – os chamados ‘hits’.
 
 
Apesar de reconhecer que é apenas um lado da realidade, vou arriscar três eventuais razões para este fenómeno.
 
Em primeiro lugar, porque "quando não se sabe para onde se quer ir, qualquer caminho serve para lá chegar". As discotecas são, salvo raras exceções, um modelo de negócio em que o amadorismo e o improviso imperam. Num negócio tão saturado como é o das discotecas, ainda continuam a abrir-se casas noturnas apenas porque sim: não se definem estratégias, não se traçam objetivos; tudo é deixado ao acaso. As discotecas não são geridas como empresas ou como marcas que precisam de ser valorizadas. Uma análise SWOT é ainda, para muitos empresários, um conceito exótico. E ao fim de tantos anos a trabalhar em discotecas, continuo a questionar-me como é que é possível haver tantos empresários com tão pouca sensibilidade para entender a música e as novas indústrias culturais, elementos basilares deste negócio.
 
Em segundo lugar, porque está enraizada a noção de que só a música popular – ou popularucha – é que tem público. É uma ideia muito repetida. Mas será verdadeira? Basta olharmos para os cartazes dos festivais de verão para percebermos que o grande público pode coexistir com as tribos. A programação de grande parte destes festivais assenta precisamente no equilíbrio entre as massas e os nichos de mercado. O Lux Frágil tem seguido uma estratégia idêntica. Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas? Mesmo que não seja de forma consciente, todos temos a noção de que há outras variáveis em jogo.
 
Por fim, porque o recurso à música comercial parece, à primeira vista, o caminho mais fácil. A meu ver, é mais um grande equívoco. Nem toda a gente tem perfil ou está habilitada a trabalhar para as massas. O raciocínio dos empresários que olham para a música comercial como a grande panaceia é mais ou menos deste tipo: "A discoteca X toca música comercial. Está cheia. Logo, a minha discoteca, para estar cheia, tem de tocar música comercial". Esta argumentação é frágil porque a realidade é mais complexa. Há muitos outros elementos a ter em conta.
 

"Mesmo aceitando a ideia de que só a música popular é que tem público, todos sabemos que a música, por si só, não enche uma casa. Quantas discotecas dirigidas para massas estão neste momento vazias ou afundadas em dívidas?"

 
Não escondo que, numa sociedade cada vez mais fragmentada culturalmente, a música popular funciona como um poderoso agregador social. E esta é, quanto a mim, a chave para percebermos o fenómeno que estamos a viver. Mas o que me incomoda não é a música popular em si mesma. Eu também gosto de música comercial. O problema é que há cada vez menos espaço para a diferença. A repetição das mesmas fórmulas e a constante diminuição dos padrões de exigência, por falta de visão e criatividade, estão a transformar as discotecas em bailes de sede. E isso devia, por si só, fazer-nos refletir a todos.
 
Alex Santos
Publicado em Alex Santos
quinta, 10 julho 2014 22:20

Agente ou não? Eis a questão

 
Ter ou não ter um agente ou um manager? Acho que essa é a questão de tantos DJs, a partir de certa altura. Os prós e os contras existem, dependendo da direção que se quer seguir, a de continuar a ser "o amiguinho" dos donos das festas e dos clubes (aqui também há vantagens e desvantagens) ou a de tentar profissionalizar a coisa no mercado, que, como o português, pouco ou nada é "profissionalizável" (lol)... e com que pena digo eu isto... assumo que acredito muito pouco em algumas empresas de eventos, que tantas vezes nem coletadas estão... enfim, mas isso já é outra praia... porque também os há, os idóneos e com essa mão cheia de gente dá mesmo gosto trabalhar.
 
Ter ou não ter um agente ou um manager? Das duas uma: ou quando as coisas não estão a correr bem e se precisa de um input de carreira ou então porque as coisas correm tão bem e as solicitações são tantas que se precisa de alguém que faça a sua gestão como de deve ser.
 
Sim... para profissionalizar a coisa, ter um agente é um "must", mas os agentes são mesmo isso... "a-gente". E aqui, há, como em tudo, gente "da boa" e gente "da má". Por isso, este passo é de extrema importância para um DJ ou qualquer outro artista - sei de histórias de extrema empatia e sei de outras que acabaram em lutas de cão e gato daquelas à séria...
 
Ter uma pessoa que nos represente pode ser condicionante para a consolidação da nossa carreira ou para o fracasso da mesma. 
 
Para mim, estas serão as exigências que qualquer DJ tem que ter atenção para que um "namoro" passe a "casamento": A imagem dele(a) tem que ter a ver necessariamente com a do artista. Ele(a) será um pouco como o cartão-de-visita do mesmo. Imaginem um metaleiro a tratar dos teus gigs de DJ de house... não liga pois não?!
 

Imaginem um metaleiro a tratar dos teus gigs de DJ de house... não liga pois não?!

Terá sempre que ficar bem assente, em conversas quase formais para que não se desfoquem, se a direção que o artista deseja para a sua carreira e a que o agente/manager está a estruturar correspondem aos mesmos desejos (imaginem um estar na onda dos sunsets e o outros vendê-lo para afters.)
 
Um agente pode negociar valores e um DJ, nunca deve ir por trás e renegocia-los (nem que isso, nos corroa por dentro...)
 
Um agente deve orientar o agenciado, mas a última palavra deverá ser sempre do DJ (há quem prometa mundos e fundos… mas a vida é nossa e daqui a um ano ou dois, se o agente já cá não estiver, o seu "legado" mantém-se e muitas vezes a imagem criada nessa época também, nunca nos esqueçamos disso)
 
Por fim, deixem-me só dizer que ter um agente e ter um manager não é a mesma coisa. Um agente "vende", faz "booking", trabalha com o material que existe, é um "flirt" na tua vida. Um manager é quase como um novo membro da família. Normalmente quando estão empenhados e são bons no que fazem, são quase como uma sombra de ti mesmo. Ajudam-te a construir uma imagem específica, criam situações quando não as há, são criativos a arranjar trabalhos, vivem-te e respiram-te. São raros. Mas existem. Encontrá-los é que não é fácil. Muitas vezes, pagar-lhes... também não.
 
Como em tudo, quem é bom merece a nossa confiança, mas todo o cuidado é pouco, principalmente para alguém, que, como eu e outros, já temos um caminho percorrido e um nome criado na praça. Quantos "agentes" julgam que encontraram a "galinha de ovos de ouro" e depois o trabalho afinal no terreno não é tão fácil como acreditavam ser e passamos de "bestiais a bestas" num ápice... não, cruzes credo! Desses cá não queremos! Mas aqui entre nós... já me calharam uns quantos oportunistas no caminho e que depois não são de fácil desapego.
 

(...) esta questão é tal e qual como numa relação amorosa, pode ser um pau de dois bicos: Ou uma prisão e foco de tensão, ou um descanso e sensação de companheirismo e foco.

 
Ter visibilidade pública é um "acepipe" muito grande para alguns passarões, tenham cuidado. Mas não desmotivem. Olhem para mim, ao fim de algumas relações falhadas, encontrei a minha "alma gémea". Não, não dormimos juntas, nem damos beijinhos na boca, mas partilhamos ideais, sonhos criativos, temos elasticidade suficiente para ir criando estratégias de acordo com as exigências do mercado e… sinto-me acompanhada o que é tão bom para uma pessoa como eu. Nunca gostei de caminhar sozinha mas também estou tão queimada com as "más companhias" que o destino me foi oferecendo ao longo dos anos, que encontrar a pessoa certa é uma bênção.
 
Ter ou não ter um agente ou um manager? Então cá vai: para mim, esta questão é tal e qual como numa relação amorosa, pode ser um pau de dois bicos: Ou uma prisão e foco de tensão, ou um descanso e sensação de companheirismo e foco. Resta-me desejar-vos sorte na escolha da pessoa que vos acompanha e no percurso da vossa carreira.
 
Beijinhos eletrónicos e cheios de boas vibes! ;)
 
Rita Mendes
Publicado em Rita Mendes
segunda, 10 maio 2021 18:05

Cultura Remota e Monetização

Após todo este período de pandemia, confinamentos e o impacto negativo que sabemos ter afetado o mercado da electrónica em Portugal e no mundo, com os clubs e eventos em "standby" decidi fazer uma retrospectiva e a minha opinião para o futuro, relativamente às opções adoptadas pela maioria do mercado de forma a subsistir e promover os projectos.

Todo o mercado teve de se adaptar ao inesperado, fosse para conseguir liquidez ou para manter o "hype". Fazer uma revisão ao plano de negócio como as redes sociais, press kit, biografia, conteúdo vídeo e audio, programas de rádio e claro, todo o trabalho de estúdio foi das primeiras atitudes que a meu ver deveriam ser tomadas. Com o tempo livre extra, foi uma excelente altura para parar e analisar tudo isto e decidir o que mudar ou acrescentar.

Recentemente abordei a questão "A conexão que falta", onde fiz uma relação entre os eventos “stream” e a ligação com o publico. Com esta questão segue-se outra muito relevante e imprescindível é a sua abordagem, a questão da monetização (o processo de converter algo em dinheiro).

Os live streams foram e são óptimos para promoção de identidades, locais, conteúdo, etc. A meu ver é algo que se vai manter no futuro, ainda mais tendo em conta que já era algo que vinha a crescer. 
Contudo, falha aqui um aspeto muito importante para a subsistência de qualquer indivíduo, a forma de "financial income" para pagar as contas e investimentos.

Na minha opinião, algumas das formas para monetizar ao máximo (possível) passam por:

- Live Streams, é possível monetizar com os streams, seja através das estrelas no Facebook, os subscritores e donations no Twitch e Youtube ou mesmo através de bilhetes adquiridos previamente em plataformas para essas mesmas atuações em exclusivo num website privado.

- Streaming, quando tens música ou conteúdos em plataformas como Spotify, Youtube, Youtube Music, Apple Music, Deezer, etc., esses conteúdos devem ser monetizados. Há um benefício gerado a partir de direitos de autor para a reprodução e esse pagamento é feito ao compositor por cada uma das suas músicas ouvidas na respetiva plataforma de streaming. Mais abaixo um exemplo de algumas cotações de streaming interativo:
 

 

- Merchandising, é uma estratégia muito utilizada, através de vestuário, acessórios, autocolantes, etc. Aqui a finalidade é a monetização em paralelo com a publicidade no "e-comerce", resumidamente é um conjunto de técnicas para dar visibilidade ou promover um produto ou serviço a potenciais clientes de forma assertiva num meio publicitário diferente do habitual.
 
- Patrocínios, é fundamental ter parcerias e apoios com marcas, não só pela liquidez mas também por visibilidade, reconhecimento e redução de custos.
 
- Cursos e Masterclasses, este período tem sido ótimo para todos os que querem adquirir algum conhecimento extra com alguns dos melhores nomes do mercado, o tempo livre gerado pela pandemia levou a que houvesse também mais tempo para o desenvolvimento de Masterclasses e Cursos, sendo estes extremamente personalizados até ao mais pequeno pormenor desejado. Estes aparecem nos mais variados formatos: Djing, Produção, Masterização, Management, Agenciamento entre muitos outros.
 
Estas são algumas ideias que cada um pode adaptar mediante as suas necessidades e capacidades de monetização. São também opções a considerar numa carreira, seja no presente ou no futuro.

Para acabar é importante referir que a principal receita da maioria dos artistas de electrónica é proveniente das atuações ao vivo (Concert Tickets), por isso, abram os clubs e realizem os eventos, todos temos que monetizar!
 
Publicado em Miss Sheila
quarta, 27 julho 2022 22:34

O funk da nova geração

Finalmente podemos fazer dançar, sem quaisquer limitações, todos aqueles que foram impedidos de o fazer durante dois anos! Confesso que já tinha muitas saudades, e pelo que sinto nos meus eventos e vejo nas redes sociais, o público também.

Os festivais estão cheios, os eventos locais estão cheios, há uma dinâmica enorme, milhares de pessoas na rua, todos os fins-de-semana. Ainda bem!

Há sem dúvida uma grande "fome" de música. As pessoas vieram para a rua, festejar, dançar, depois de dois anos em que isso não foi possível.

No entanto, estes dois anos de paragem alteraram as dinâmicas do "sair à noite" (ou à tarde). Sinto, pelo que vejo, que houve uma faixa de público que depois destes dois anos de paragem deixou de sair, enquanto uma nova geração apareceu "de repente". 

Isso está a provocar algumas alterações no funcionamento de alguns locais "clássicos" e a favorecer o aparecimento de novos espaços, direccionados para a nova geração que começou a sair agora.

E o que ouve (na sua maior parte) a nova geração que começou a sair agora? Pelo que vejo em muitos cartazes, a música brasileira, o chamado "funk brasileiro", domina os gostos da maior parte dos mais novos. 

Já actuei em alguns (poucos) locais onde antes de mim estava a tocar esse estilo de música e o que ouvi deixou-me de boca aberta... em muitos temas a letra é do mais sexista possível relativamente às mulheres, e, curiosamente, pelo que pude assistir, são elas que as que melhor sabem (e cantam) as letras, efusivamente! Confesso que fiquei baralhado...

Nesta sociedade actual onde (e bem) se luta pela defesa da mulher e onde se têm perseguido os abusos que aconteceram no passado tentando que não aconteçam no presente, ouvir a letra de alguns desses temas e ver o destaque que estão a ter, é, para mim, bastante confuso.

Obviamente que esta questão não tem nada a ver com o gosto pessoal de cada um. Nem podia ter, cada pessoa ouve o que gosta, dança o que gosta de dançar e isso eu respeito totalmente.

A minha questão é simplesmente relativa à linguagem usada na maior parte desses temas. Se por um lado há toda uma consciencialização que começou com o movimento #MeToo em revelar praticas abusivas em relação às mulheres, ao dar tanto destaque (até nas rádios) a este tipo de temas só porque "é o que os miúdos querem", não estamos precisamente a fomentar o tipo de atitudes que condenamos?

Pode-se argumentar "é simplesmente uma letra de uma canção, não significa nada" (como já me disseram), mas quando vejo vídeos das actuações ao vivo de alguns desses artistas, com toda a carga sexual que está nessas letras, será que não estão a incentivar os mais novos a fazerem o que está na mensagem transmitida por essas canções? Deixo aqui a pergunta.
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
E aqui estamos nós, quase um ano e meio depois. É realmente uma prova de fogo esta pela qual nos estão a fazer passar. Milhares de live streamings nas redes sociais a custo zero depois, a vida e futuro dos DJs e de todos os que estão ligados ao setor nocturno permanece uma verdadeira incógnita. 

Cada vez mais uma incerteza, esta profissão tende em se manter viva à conta de todo um novo circuito, constituído por restaurantes e esplanadas dos mesmos, a fazer o nosso trabalho por aquilo que nos quiserem dar. Se antes já não era uma forma de sustento fácil, agora acabamos por ficar entregues nas mãos de um sector que obviamente não tem o mesmo grau de profissionalismo que permitiria a este sector artístico a dignidade mínima para poder exercer o seu trabalho, mas que neste momento tem a faca e o queijo na mão. A realidade é que dou por mim a não querer pensar muito naquilo que poderá vir a ser o futuro da minha profissão, pelo simples facto de não saber se existirá um. 

Completamente ignorados por quem governa e toma decisões no nosso país, acaba por ser frustrante olhar para trás e relembrar todo o passado recente, que envolveu sacrifícios e muito trabalho, mas que no presente não serve absolutamente para nada. Cada vez mais parece que o desejo de quem toma as decisões é passar a designar como restauração apenas os restaurantes, os grandes beneficiados com esta pandemia, uma vez que parecem ser, cada vez mais, os grandes meninos queridos do Governo. 

Pintados como os bichos papões de tudo o que de mal acontece neste país, mesmo sendo os únicos que se encontram encerrados desde o início de todo este enredo, sim, porque o insulto que nos fizeram, ao equipararem os bares e discotecas a meros cafés como forma de podermos trabalhar sem condições nenhumas para a nossa área vai ficar para a história, os bares e discotecas continuam a ser objecto de uma tentativa de aniquilação colectiva sem precedentes num estado de direito, sendo que a única coisa que podemos fazer é assistir de uma forma quase tortuosa, à destruição do trabalho de milhares de pessoas, sejam elas artistas, proprietários, profissionais de bar ou seguranças, entre muitos outros. 

A perseguição das forças policiais, com ameaças de autos de contra-ordenação  e discursos agressivos como se estivessem a falar com criminosos, apenas uma mão cheia de minutos depois do horário "permitido" por lei, torna-se não só insultuoso, mas cada vez mais revoltante, fazendo-nos sentir como marginais, mas daqueles que pagam as suas contas, impostos, seguranças sociais e todas as suas obrigações como qualquer português, tirando os da elite, é claro. 

É com muita tristeza que vejo que temos um Governo que não percebe que ao fecharmos o nosso sector em Março de 2020, o fizemos em prol da saúde pública, para bem de todos os portugueses, perdendo com isso milhares e milhares de Euros, perdendo basicamente a nossa independência financeira. Sim, nós fizemos um favor ao país, esta é a verdade! Semana após semana apenas a esperança nos vai mantendo lúcidos o suficiente, para podermos apenas continuar a ter mais esperança, enquanto assistimos a uma Europa toda a devolver a vida aos nossos colegas de sector. Ainda bem para eles, nada de confusões, mas é decepcionante perceberes que estás num país que não sabe reconhecer todos os sacrifícios que foram feitos por ele.

Assistimos a eventos políticos, privados e para a Europa ver onde tudo lhes é permitido, enquanto o nosso sector tem que permanecer quieto e sem se poder queixar muito. Muito sinceramente custa-me um pouco a perceber o porquê desta discriminação e autêntica indiferença, nenhum outro sector passou por semelhante situação na nossa sociedade. À hora que escrevo este texto, já nem me consigo lembrar da última vez que passei música, nem sei se alguma vez voltarei a passar, mas aquilo que sei com toda a certeza é que agora compreendo um pouco melhor tudo o que o meu avô me contava acerca dos tempos da ditadura em Portugal. A pior coisa que, como seres humanos podemos sentir, é realmente sentirmo-nos ostracizados, marginalizados e absolutamente condicionados naquilo que são os nossos direitos básicos como seres humanos. 

É triste olhar para este belo país que é Portugal e vê-lo tão feio, tão descolorido e mau. Enfim, ainda temos a nossa esperança, a esperança que um dia iremos acordar e todo este pesadelo terá desaparecido... ou não!
 
Publicado em Carlos Vargas
sexta, 23 janeiro 2015 22:17

Os talibãns dos géneros musicais

 
A guerra dos géneros musicais que hoje em dia se vive na scene é quase tão inútil, descabida e infrutífera como a guerra dos sexos. Discutir se há um género musical superior ou inferior é o mesmo que discutir quem é que é melhor: os homens ou as mulheres. É óbvio que não há géneros musicais superiores ou inferiores e é óbvio que a música evolui, mas o talibanismo musical tem sido a saga da história da música electrónica: pelo menos em Portugal.
 
Comecei a interessar-me a sério pela música electrónica em pleno auge do Iberican Sound, quando o house progressivo era rei e senhor e era totalmente diferente do que é hoje em dia. Os ritmos tribais e étnicos pareciam encaixar na perfeição nas teclas mais dark e atmosféricas. E Portugal tinha uma palavra gigante a dizer na scene internacional. Rui da Silva tinha acabado de chegar a níveis estratosféricos com o tema "Touch Me" e artistas como DJ Vibe ou Carlos Manaça eram dos mais aclamados do mundo inteiro, o que fazia do nosso país: "A Paradise Called Portugal".
 
Depois aconteceu o inevitável quando se espreme uma laranja até à casca. Deixa de haver sumo e passamos para a próxima. E surgiu uma vaga de electro house que trouxe para a ribalta artistas como Trentemoller, Mylo, Tiga, Tiefschvartz e, numa vertente mais comercial, o mais conhecido David Guetta. Eu, que tinha nascido em plena era do tribal house e do house progressivo via esta nova vaga com um quase ódio. Eram os destruidores da minha cultura. Era um miúdo e sem o saber estava a comportar-me como um autêntico "velho do Restelo": acalorado pelo conforto do "mais do mesmo" e aterrorizado com a ideia de mudança. Mas tudo na vida evolui e a história - mesmo que cíclica - escreve-se sempre em frente. Foi então que o maximalismo do electro house e, de certa forma, do tribal house gerou a emergência de uma nova corrente: o minimal techno.

Não estar na redoma de um estilo musical único faz-nos evoluir musicalmente mesmo dentro do nosso estilo musical de origem.

Foi a primeira vez que evoluí a sério e num curto espaço de tempo a minha produção musical. Não estar na redoma de um estilo musical único faz-nos evoluir musicalmente mesmo dentro do nosso estilo musical de origem. Só depois de me dedicar a tentar perceber o conceito, técnicas e elementos do minimal é que consegui, enfim, colocar-me num patamar de produção musical que me satisfazia pessoalmente. 
 
Mas, rapidamente, o minimal techno gerou o ressurgimento com grande pompa e circunstância de um estilo que estava adormecido há demasiado tempo - o techno. Muita gente falava num novo techno com um BPM mais lento e capaz de se fundir facilmente com os estilos que tinha sucedido.
 
E foi com a exaustão desta vaga que começa a surgir o que actualmente se chama de "EDM" muito influenciado primeiramente pelo trabalho do Deadmau5 e da fusão brilhante entre o trance e o house que teve a mestria de fazer na altura certa. Muito do que se fez entre 2008 e 2010 eram reproduções quase intactas de um estilo muito próprio do canadiano. E é nessa senda que surgem os Swedish House Mafia e mais tarde Hardwell e tantos outros.
 
Tudo isto para vos dizer que a música, na minha opinião, é como a história: cíclica e pendular. Precisa de se esgotar, de se deteriorar, de degenerar-se e depois de uma revolução de abanões, e de gente que coloque tudo em causa para voltar a tornar-se interessante. Um exemplo que costumo dar e que acho dos mais interessantes é o dos Beatles. Quem ouvir pela primeira vez o primeiro LP "Please Please Me" e o último "Let it Be" de seguida, certamente achará que se trata de uma banda totalmente diferente. Mas quem ouvir todo o trabalho que está pelo meio e analisar a realidade musical da época rapidamente se apercebe que se tratou de uma profunda e extraordinária evolução. No final da década de 60 lançar temas como "Love me Do" ou "From me To You" já não faziam o mesmo sentido e, neste sentido, não deixa de ser curioso que o álbum que demonstrou de forma mais vincada a evolução musical dos Beatles: "Sgt. Pepper’s Lonelly Hearts Club Band" seja considerado pela Rolling Stone como o "maior álbum de todos os tempos."
 

(…) a música, na minha opinião, é como a história: cíclica e pendular.

 
É por este motivo que fico chocado ao ver os talibãs dos géneros musicais a actuar na internet. Estou a falar directamente para os arautos do underground/tech house e techno que vêm na EDM: "música de carrinhos de choque" e para os talibãs do EDM que só de pensarem na possibilidade de a house music voltar a ganhar terreno em géneros musicais como o "future house" ficam logo com urticária. Foram SEMPRE, mas SEMPRE os que souberam sair e aventurar-se, os que fizeram a scene evoluir e dar o próximo passo. Não estou com isto a dizer que todos devamos agora produzir e consumir todos os géneros musicais, mas somente que não se barriquem atrás do EDM e apedrejem o vosso vizinho que por acaso até gosta é de música latina, tech house, psy trance e vice-versa.
 
E acabo com as palavras do insuspeito Carl Cox: "It's about music! Not one music style is better than the other, not one music style is more truly than the other. The whole thing is based on respect. It's all about respect, respect to the music, respect to the DJ's, respect to the crowd and respect to each other. It's all music, music never separates people!". 
 
Hugo Rizzo
Publicado em Hugo Rizzo
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